'A perspectiva é de mais sofrimento', diz moradora que perdeu a mãe na tragédia de Mariana

Famílias que viviam no distrito de Bento Rodrigues, destruído há três anos pelo rompimento da barragem da Samarco, dizem que auxílio dado pela empresa é insuficiente

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Por Leonardo Augusto
Atualização:

BELO HORIZONTE - "A perspectiva que tenho é de mais sofrimento", afirma a dona de casa Marli de Fátima Felício Felipe, de 34 anos, órfã da mãe, Maria das Graças Celestino da Silva, de 74 anos, que morreu ao ser levada pela lama da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, que rompeu em 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, onde viviam, no município de Mariana.

Desde então, Marli passou a viver na cidade, com o marido e duas filhas. Nascida em Bento Rodrigues, afirma que nunca teve vontade de sair de lá. "A vida da gente mudou completamente", diz.

Obras no local que abrigará o novo distrito de Bento Rodrigues Foto: Fernando Moreno/Futura Press

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Assim como outras vítimas da tragédia de Mariana, que matou 19 pessoas e é considerada um dos maiores desastres ambientais do País, Marli recebeu até o momento duas parcelas de R$ 20 mil, por ter perdido a casa, e uma indenização de R$ 100 mil, dividida com um irmão, pela morte da mãe.

Tem ainda um auxílio financeiro mensal de um salário mínimo mais 20% do valor por dependente. O próximo passo na vida da dona de casa é se mudar, com outros ex-moradores do distrito, para o local onde o novo distrito de Bento Rodrigues será erguido. "Vou, mas sinto muita insegurança". A expectativa é que a obra esteja concluída, no mínimo, em 2020.

Até lá, a rotina de Marli e ex-vizinhos de Bento Rodrigues deverá ser a mesma dos últimos três anos: reuniões constantes com representantes da Fundação Renova, encarregada das articulações com atingidos e dos impactos da lama despejada no meio ambiente pela Samarco, empresa que pertence à Vale e à BHP Billiton. A dona de casa classifica esse processo como uma "enrolação". "O que recebemos até agora é muito pouco pelo sofrimento que estamos passando", reclama. "E contam muita mentira", diz.

Demora. O discurso é corroborado pelo promotor Guilherme de Sá Meneguin, do Ministério Público em Mariana. "A atuação é ineficiente. Entendemos que é morosa", afirma. Conforme o promotor, todas as conquistas que os atingidos tiveram até o momento, como o pagamento de aluguel de casas em Mariana e o auxílio mensal, só saíram depois de ações impetradas na Justiça. "Se tudo ocorresse de forma mais honesta, seria mais fácil", pontua. "Uma coisa é o que colocam no site, outra é o que acontece na verdade", acrescenta.

Parte dos recursos gastos até o momento com os atingidos está saindo, conforme Meneghin, de um bloqueio judicial em contas da mineradora no valor de R$ 300 milhões, conseguido pelo MP cinco dias depois da tragédia. Deste total, restam R$ 250 milhões. Do valor saiu, por exemplo, o montante para a aquisição do terreno em que o distrito será reconstruído. O promotor defende a criação de uma lei que defina direitos de atingidos por tragédias como a da Samarco. "Assim ficaria mais simples fazer as cobranças na Justiça", justifica.

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O comerciante Mauro Marcos da Silva, de 49 anos, que também teve a casa destruída em Bento Rodrigues, reclama da negociação envolvendo valores de indenização - tudo o que foi pago até agora refere-se apenas a adiantamentos. Um cadastro com dados de todas as pessoas afetadas pela lama e seus bens ainda está em andamento. "Só fui reconhecido como atingido direto em audiência na Justiça. A justificativa que davam é que eu não morava em Bento Rodrigues, e que frequentava o local somente aos fins de semana", afirma.

O procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, Helder Magno da Silva, que trabalha diretamente com os impactos sócio-econômicos do desastre, afirma que a Renova "trabalha para fazer economia para as empresas" envolvidas na tragédia. "Não se permite ouvir os atingidos. Quer impor respostas sem ouvi-los adequadamente", afirma.

Desde o rompimento da barragem em Mariana, as empresas envolvidas na tragédia colecionam polêmicas. A última terminou com o fechamento de acordo com representantes dos ministérios públicos e defensorias públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo sobre prazo de negociação com atingidos. A Renova, durante negociações com as vítimas, passou a informar as pessoas afetadas pela lama, a maioria de comunidades humildes, que o prazo para negociações para pagamento de indenização prescreveria no último dia 5 de novembro, nos três anos da tragédia.

A própria Renova confirmou que, inicialmente, fornecia este tipo de informação. Dados neste sentido chegaram a constar em atas de audiências que contaram com a participação da Defensoria Pública do Espírito Santo. Depois de negociação, no último dia 26 de outubro as partes fecharam acordo em que a Renova nega qualquer possibilidade de prescrição de prazo.

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Multas por dano ambiental ainda não foram pagas ao Ibama

Apesar de todo o dano causado ao meio ambiente de Minas Gerais, do Espírito Santo, com a poluição do Rio Doce e de parte do litoral capixaba, multas no valor total de R$ 350 milhões aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não foram pagas até hoje. Parte, segundo informações do instituto, já está sendo cobrada judicialmente.

Na questão penal, nenhum dos investigados pelo rompimento da barragem de Mariana chegou a ser punido até o momento. Em 9 de outubro deste ano, a defesa de José Carlos Martins, ex-presidente do Conselho de Administração da Samarco, conseguiu no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), em Brasília, habeas corpus que tranca, em relação ao ex-executivo, a ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) pela morte das 19 pessoas em Bento Rodrigues. Cabe recurso da decisão.

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Outros 20 executivos da cúpula da Samarco e das acionistas da mineradora, Vale e BHP Billiton, respondem ao processo criminal. A ação foi suspensa em julho do ano passado, por suspeitas de irregularidades nas gravações feitas durante as investigações de responsáveis pelo gerenciamento da represa. Em novembro do mesmo ano, no entanto, o processo foi retomado.

Fundação diz ter pago indenizações e auxílios a 13 mil famílias

Em relação às declarações sobre demora nas indenizações, a Renova afirma que foi fechado, em 2 de outubro deste ano, acordo que possibilita pagamento aos atingidos da cidade mineira. "Após a homologação de acordo judicial firmado com o Ministério Público, tendo a participação dos atingidos, acompanhados da Assessoria Técnica Cáritas, e da Defensoria Pública, as famílias de Mariana que foram atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão e que se interessarem em receber proposta pelo Programa de Indenização Mediada (PIM) já podem procurar a Fundação Renova para dar início às negociações".

Conforme a fundação, "o Programa de Indenização Mediada (PIM) é de adesão voluntária e já é praticado em todo o território impactado. A proposta de indenização é calculada de forma individual para cada atingido ou por grupo de atingidos e levará em consideração as particularidades de cada um. Caso o atingido concorde e aceite a proposta apresentada, os pagamentos são realizados em até 90 dias após o término do prazo de arrependimento, que é de 10 dias contados a partir da assinatura do Termo de Acordo".

Até o momento, de Barra Longa até a Foz do rio Doce, a Fundação Renova diz ter realizado mais de 7.800 pagamentos de indenizações por Danos Gerais até outubro de 2018, somando mais de R$ 314 milhões.

Sobre as críticas do MP de Minas, de que tudo o que foi feito até agora foi a partir de decisões judiciais, a Renova diz que "o trabalho de reparação dos impactos do rompimento da barragem de Fundão é calcado em uma solução de natureza extrajudicial, modelo adotado para o enfrentamento de desastres em várias partes do mundo. O modelo definido para reparar os impactos é resultado de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em março de 2016 por dezenas de entidades, entre órgãos públicos, as empresas Samarco, Vale e BHP e representantes do comitê de bacias".

A Renova afirma que, até outubro de 2018, pagou R$ 1,2 bilhão em indenizações e auxílios financeiros e atendeu 13.207 famílias em razão dos danos gerais sofridos, "celebrando 7.941 acordos, pagando 7.818 indenizações e realizando 1.010 antecipações de indenização de danos gerais. Das propostas apresentadas, 99,2% foram aceitas e resultaram em acordos de indenização dos atingidos".

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Quanto às críticas do Ministério Público Federal, a entidade afirma que "o ambiente de alta informalidade que predomina no território impactado, onde a maior parte dos danos não pode ser comprovada documentalmente, é o maior desafio da Fundação Renova para o pagamento das indenizações, que acontece em uma escala inédita no Brasil. Foi necessário ouvir e construir coletivamente as políticas de indenização para a efetivação de um processo mais justo, levando em conta ainda a diversidade de danos e a individualidade de cada processo".

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