Análise: A 'Querida Amazônia' do papa Francisco e de todos nós

Sabiamente, o papa inicia sua exortação revelando “os quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira”: um sonho social, um sonho cultural, um sonho ecológico e um sonho eclesial

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Por Dom Jaime Spengler
Atualização:

Veio a público a tão esperada Exortação Apostólica pós-sinodal do papa Francisco sobre a Amazônia. Alguns aspectos chamam a atenção do documento, a começar pelo título: “Querida Amazônia”. É uma forma carinhosa e respeitosa usada pelo Papa para expressar as ressonâncias que nele provocou o percurso de diálogo e discernimento ao longo de todo o processo do Sínodo para a Amazônia, evento realizado em outubro do ano passado, no Vaticano.

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O documento não pretende desenvolver todas as questões abordadas no documento final do Sínodo de 2019. O objetivo do texto é promover uma reflexão que expresse de forma sintética algumas questões, a fim de ajudar e orientar toda a Igreja “para uma recepção harmoniosa, criativa e frutuosa” da construção dos novos caminhos para a Amazônia discutidos ao longo do processo sinodal.

A Exortação Apostólica não é um decreto. É, na verdade, um guia que “oferece conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu (o Papa!) e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente”.

Papa Francisco observa representantes de grupos indígenas da Amazônia durante a abertura do Sínodo dos Bispos Foto: Andreas Solaro/AFP

Sabiamente, o Papa inicia a Exortação revelando os quatro pilares do documento, que, segundo o Santo Padre, são “os quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira”: um sonho social, um sonho cultural, um sonho ecológico e um sonho eclesial.

Em suma, os quatro sonhos do Papa Francisco são: “Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos”.

Essa confidência é também um convite a todo o Povo de Deus, a todas as pessoas de boa vontade a sonharem o mesmo sonho, pois “quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade” (H. Câmara). Não só a Amazônia, mas o mundo inteiro precisa urgentemente de homens e mulheres capazes de se deixarem inspirar pelos sonhos do Papa sobre a Amazônia, para que todos possam ter “vida e vida em abundância” (Jo 10,10).

A preocupação do Santo Padre com a ecologia integral, com o cuidado ao meio ambiente totalmente vinculado ao cuidado com o ser humano, não é de hoje. A leitura do texto publicado esta semana pressupõe a leitura de outro importante documento papal, de 2015: “Este Sínodo (Sínodo para a Amazônia) é ‘filho’ da ‘Encíclica Laudato Sí’. Quem nunca leu, nunca entenderá o Sínodo. A ‘Laudato Sí’ não é uma encíclica verde, é uma encíclica social baseada em uma realidade “verde” e no cuidado da Criação”. A Exortação, pois, não se esgota em si.

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Vale destacar que a Exortação Apostólica é dirigida “ao mundo inteiro”, “ao Povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade”. Ela quer ser inspiradora para “todas as pessoas de boa vontade”; quer “ajudar a despertar a estima e a solicitude por esta terra (região Pan-Amazônica!); as reflexões desenvolvidas “podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem seus próprios desafios”.

Por fim, merece particular atenção o destaque dado ao tema da inculturação: “tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo... Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja”. Uma preocupação legítima com o respeito e a integração entre a cultura dos povos tradicionais e a evangelização.

Todos esses aspectos apontam para um itinerário de trabalho que precisa de continuidade. O documento não é, portanto, a ‘última palavra’; ao contrário, quer provocar a avançar e a aprofundar as tantas questões que dizem respeito à obra da evangelização, em primeiro lugar junto à região Pan-Amazônica, mas não só!

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