A santa de 4,2 milhões de casas

Movimento da Mãe Peregrina, criado no Rio Grande do Sul em 1950, cresceu, se espalhou e ganhou imitadores

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Por Edison Veiga
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Uma vez por mês é dia de visita na casa da família Ozaki, na Vila Clementino. "Recebemos uma convidada especial", diz a dona de casa Dulce da Silva Ozaki. "Fica sempre na sala, com uma vela e um vaso de flor ao lado." Trata-se de uma das 140 mil imagens da Mãe, Rainha e Vencedora Três Vezes Admirável, mais conhecida como Mãe Peregrina, que diariamente vão de casa em casa no País. Elas atingem um total de 4,2 milhões de famílias católicas. Só na capital paulista são 6.700 capelinhas da santa e mais de 200 mil lares participantes. O movimento das imagens itinerantes começou em 10 de setembro de 1950. A religiosa Teresinha Gobbo, do Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt, mandou fazer três capelinhas. Escolheu três católicos de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e deu uma imagem para cada um. Com a singular missão: fazer a santa visitar uma família por dia. Só o comerciante João Luiz Pozzobon, viúvo e pai de sete filhos, levou a incumbência a sério. Calcula-se que até a sua morte, em 1985, tenha percorrido 140 mil quilômetros com a imagem. A quem quisesse colaborar, ofertava réplicas da capela - isso fez o movimento crescer com o tempo e ganhar mais divulgadores. "Quando ele morreu, nós decidimos assumir a organização da campanha", conta a religiosa Maria Caroline Gomes, do Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt. A entidade tem coordenadores espalhados em grande parte das dioceses do Brasil. Cada família participante recebe a imagem uma vez por mês. No dia seguinte, tem de levá-la a um vizinho, que faz o mesmo. "Acolher a Mãe transformou nossa vida", diz a dona de casa Angelita Enides Rocha, que mora no bairro da Pedreira e integra o movimento há dez anos. "Paramos de discutir por motivos bobos." O Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt utiliza a tradição como ferramenta de evangelização. "Nosso objetivo é resgatar os valores da família cristã e a dignidade humana", explica a religiosa Maria Caroline. No que depender de oração, vem dando certo. "Nas noites em que a imagem está em casa, sempre rezamos juntos", conta a dona de casa Dulce da Silva Ozaki. "Até o namorado de minha filha participa." Alguns devotos não deixam a santa "sozinha" em nenhum momento. É o que acontece quando a capelinha está na casa da fisioterapeuta Sandra Souza de Queiroz, na Vila Mariana. "A imagem é o sinal da graça de Deus por nós", acredita. "Durante o dia, fica na sala, mas à noite a trazemos para o quarto. E ela me acompanha no carro, quando preciso sair." Um dos principais divulgadores do movimento, padre Antônio Maria, faz o mesmo. Mas ele tem uma réplica particular da capelinha. "Sou inseparável dela", conta. "Levo-a em todas as viagens que faço." Ela "conhece" os principais santuários marianos do mundo e já foi abençoada pelos papas João Paulo II e Bento XVI. ?CÓPIAS? Embora seja a maioria, não é só a Mãe Peregrina que circula por lares católicos brasileiros. Inspirados no trabalho de Pozzobon, movimentos similares surgiram em outras comunidades. Assim, há quem receba em casa imagens de Nossa Senhora Aparecida, de Fátima, de Guadalupe, de Lourdes... O instituto coordenador não vê nenhum problema nessas "cópias". "Eles aprendem conosco, e nós, com eles", diz a religiosa Maria Caroline. Nos lares do país com o maior número de católicos do mundo, a semente plantada graças ao suor e às solas de sapato do comerciante gaúcho João Luiz Pozzobon germinou e cresce forte. "Ele já está em processo de beatificação", conta o padre Antônio Maria. "Com certeza, um dia ele se tornará mais um santo brasileiro." Enquanto isso, as famílias que recebem a Mãe Peregrina mostram, com fé, que continuam a tradição iniciada por Pozzobon: divulgam a devoção mariana e persistem na oração do terço.

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