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‘Acusações foram exageradas, descabidas, pra não dizer ridículas’, diz ativista do Greenpeace

Em entrevista ao ‘Estado’, bióloga brasileira Ana Paula Maciel fala sobre o que passou na prisão desde 19 de setembro

Por Giovana Girardi
Atualização:

Como é a Ana Paula depois de dois meses de prisão? Quando caminhei para fora da prisão na quarta-feira, às 7 da noite, tive a mesma sensação de choque, de não acreditar no que estava acontecendo, de quando decidiram pela nossa prisão. Fui pra casa da minha advogada e tinha medo de que acendessem as luzes às 6h da manhã, como faziam todos os dias nas celas. Eu tinha medo de acordar e ver que era um sonho, que não estava acontecendo. Hoje sou mais forte. Mas essa experiência não pode ser em troca de nada. Tem de trazer algo para melhor.Você sofreu algum maltrato na prisão? 99% dos guardas eram super simpáticos e sorridentes, faziam o melhor para nos entender. Os outros eram simplesmente sérios. Nunca me maltrataram, nem me desrespeitaram, nunca tive medo de ficar presa, mas era aquela situação vulnerável de você não ter a chave da sua porta. Qualquer um pode entrar. Também é horrível a perda do seu livre árbitro. A inabilidade de poder apagar a luz, escolher se quer ouvir rádio ou não. Não podia escolher ficar em silêncio, em paz, porque os guardas ouviam a mesma dance music das 6h às 22h. Para mim era uma tortura psicológica. Fora a insegurança de não saber o que estava acontecendo, o que o governo queria de nós. As acusações foram exageradas, descabidas, pra não dizer ridículas. Somos ativistas pacíficos há 40 anos e o mundo inteiro sabe disso. Em algum momento você chegou a realmente temer que não ia conseguir sair, que ficaria 15 anos na cadeia (a pena para a primeira acusação, de pirataria)? Nos primeiros dias, quando estávamos presos em uma delegacia e dividi cela com uma amiga - depois fomos todos isolados -, falei brincando que tinha uma passagem para ver meu namorado no México e teria de ligar para a companhia pedindo para mudar a passagem para dezembro. De 2030. Toda a situação era tão louca e injusta, tão insegura, que tínhamos de trabalhar com todas as possibilidades, então, sim, por momentos pensei. Mas depois fui ficando mais forte ao saber do apoio que estava recebendo do governo brasileiro, da repercussão no mundo e agora confio que se a justiça russa é justa, não tenho porque ter medo.Como foi o momento em que a polícia russa tomou o navio? Foi uma surpresa de repente ter um helicóptero gigantesco em cima do navio, de onde saíram vários homens com balaclavas e armas, gritando em russo para a gente se ajoelhar. E o vento que as hélices faziam mal deixavam a gente caminhar de tão forte. Era tão surreal que parecia que eu estava num filme de guerra e ninguém tinha me dito nada. Foi a coisa mais incrível que eu já vi e vivi na minha vida, mas depois vimos que a casa tinha caído pro nosso lado. Estávamos em águas internacionais e levaram cinco dias para nos rebocar. Nesse período, ficamos restritos às acomodações e ao comedouro. Perdemos a comunicação com o mundo.O diretor do Greenpeace, Kumi Naidoo, disse que quando tudo se resolver você quer voltar a Rússia para resgatar o navio... O Arctic Sunrise é meu navio preferido. Foi o primeiro que eu naveguei pelo Greenpeace, em 2006. Ele é muito particular porque é difícil navegar, balança muito. A gente brinca que é a máquina de lavar roupas do Greenpeace, porque a gente se sente como uma peça de roupa na máquina quando o mar tá bravo. Depois desse dois meses sentado em Murmansk, ele está um caos. Lá a temperatura agora é de -17?C. Vai ter uma montanha de neve para remover, linhas de esgoto e de água estarão congeladas. Vai ter muito trabalho e gostaria de participar desse resgate. Como era a sua rotina na prisão? Passávamos 23 horas dentro da cela e uma hora caminhando entre quatro paredes, mas com ar livre. Na cela eu rezava, escrevia, via TV, tomava café, chá, dormia. Ler foi o que mais fiz. Enquanto estava lendo eu não estava ali, era livre dentro da história que o livro estava me contando. Adorei o "Marido Ideal", de Oscar Wilde, e "Dom Casmurro", de Machado de Assis, que me fez rir muito. Os livros foram essenciais para minha sobrevivência dentro da cela. Quais são os próximos passos agora? A acusação de vandalismo continua aberta, então tenho de ficar em São Petersburgo até 24 de dezembro, quando outra decisão será tomada. Os investigadores podem pedir mais investigação ou podem decidir me condenar por um crime que não cometi. Mas lido com isso da mesma forma que lidei com todo o resto. Vou me preocupar com isso quando chegar a hora. Você pretende continuar no ativismo? Sim, isso tudo me fez mais forte, vou continuar trabalhando para salvar o Ártico, a Amazônia, lutar contra a pesca predatória, as mudanças climáticas, tudo o que eu puder me envolver. É isso o que eu faço.

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