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Agora o fim de tarde de sexta-feira em Congonhas é assim: deserto

Funcionários convivem com o ócio: revisam preços e organizam estoque à espera de clientes, que nunca chegam

Por Humberto Maia Junior
Atualização:

O fim de tarde das sextas-feiras costumava ser muito aguardado pelos comerciantes do Aeroporto de Congonhas. A espera não era justificada pela proximidade do sábado, mas porque era um horário com muito movimento no aeroporto - o que significava mais vendas. Anteontem, porém, a cena era desoladora: com as lojas vazias, os atendentes olhavam para o corredor deserto, conversavam com colegas ou organizavam - mais uma vez - as mercadorias. "Quanto é?", perguntou um dos raros clientes de uma tabacaria à vendedora Ana Maria Ganan, de 50 anos, apontando para alguns charutos. "R$ 57", ela respondeu. "Faz por R$ 50?", pechinchou o homem. "R$ 54", rebateu a vendedora. "Tá certo", rendeu-se o cliente. Mesmo com as vendas em baixa, ela não tem autorização para dar descontos superiores a 5%. "As vendas caíram 70% esta semana", disse Ana Maria, que havia poucas semanas reclamava da falta de tempo para comer e ir ao banheiro. "Reclamava quando o movimento era alto. Agora reclamo pelo motivo contrário", afirmou ela, que agora passa o tempo ouvindo músicas no rádio. Ao lado, o gerente de uma loja de esportes, Pércio Bianco, de 53 anos, tenta encontrar solução para a queda de 80% nas vendas enquanto revisa os preços ou organiza o estoque. Próximo a ele, a arara com as camisetas de times de futebol, carros-chefe da loja, está abandonada. Diferentemente do tempo em que não faltavam mãos ávidas que deslizavam camisa após camisa até encontrar a do clube do coração. "Ninguém entra mais na loja." A sala ocupada pelos engraxates, perto da área de desembarque, também está vazia. "Já cheguei a lustrar 30 pares por dia", disse Reginaldo de Moraes, de 55 anos, sentado num banquinho. "Hoje, lustrei só seis." Ele lamenta mesmo é a perda da gorjeta, que pode lhe render um adicional de até R$ 40 por dia. Ao lado, a imagem do colega Percival Figueiredo, de 55 anos, é o símbolo do momento vivido pelo aeroporto: antes expansivo e alegre, Figueiredo estava sentado num canto, encostado à parede, com os braços cruzados, palito na boca e o olhar distante. "Fazer o quê? Temos é que agüentar." Lá fora, Francisco Gomes, de 26 anos, funcionário da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), arrasta quatro carrinhos para transportar malas. Antes, ele passava o dia fazendo isso. "Tínhamos de arrumar tudo rápido. Os carrinhos eram disputados pelos passageiros." Agora, sua preocupação é certificar-se de que os boatos sobre demissões sejam infundados. "A gente precisa do emprego e ficam falando em corte de pessoal." Gomes é de Teresina e mora sozinho em São Paulo há oito meses. "Não quero voltar para lá." ESPERANÇA Apesar do abatimento de todos que dependem do movimento de passageiros em Congonhas, ninguém acredita que essa situação vá continuar. "Espero que a partir de segunda-feira tudo volte ao normal", disse Bianco, o gerente da loja de esportes. E ele acha até que a situação vai ficar melhor que antes. Se os problemas em Congonhas se resolverem, acredita que os passageiros vão ter tranqüilidade para comprar. "Quando o pessoal está estressado, fica mais preocupado em conseguir entrar no avião." Nem ele nem Ana Maria, a atendente da tabacaria, pensam que a redução do número de vôos causará queda no faturamento. É que, mantendo os vôos para cidades como Rio e Brasília, mantém-se o público consumidor: os executivos. "Passageiros de vôos fretados não compram nada", disse Ana, que promete tentar se lembrar da má fase quando a falta de tempo voltar. "Vou tentar não reclamar."

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