Análise geológica pode ter sido insuficiente

A rapidez com que tudo ruiu indica que as 16 sondagens de solo feitas pelo consórcio não recolheram todas as informações necessárias

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Por Agencia Estado
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Dez dias depois da tragédia da Linha 4, as primeiras avaliações nos túneis e na cratera da Rua Capri levam a um consenso nos debates entre engenheiros, geólogos e especialistas em mecânica do solo ouvidos pela reportagem do Estado: os estudos e sondagens de terra da região feitos pelo consórcio de empreiteiras Via Amarela podem não ter sido suficientes para evitar o acidente. O solo ali é apontado como o mais vulnerável já encontrado em obras do metrô de São Paulo. A rapidez com que tudo ruiu no dia 12, abrindo uma cratera de 80 metros de diâmetro que causou a morte de pelo menos seis pessoas, mostra que as 16 sondagens de solo feitas pelo consórcio - além das 10 realizadas pelo Metrô na fase do projeto básico - não recolheram todas as informações necessárias sobre o comportamento da rocha escavada para as obras da estação. "Ela teve um comportamento anômalo e se desmanchou feito vidro. Não teve o comportamento de uma rocha", diz o engenheiro Tarcísio Celestino, da Themag, uma das empresas que projetaram a Linha 4. As novas informações que vieram à tona ao longo da semana indicam que a grande novidade desse acidente foi justamente a rapidez com que a construção desabou. No último dia 10 à noite, foi detectada uma deformação (recalque) de 2,5 milímetros na estrutura, que avançou vagarosamente para a casa dos dois dígitos dois dias depois. "Os recalques em túneis são como as turbulências enfrentadas pelo aviões. São um problema capaz de ser contornado", diz José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco). Essa confiança de que a situação estava sob controle levou engenheiros e projetistas do consórcio a trabalharem normalmente pela manhã e até realizarem uma explosão, horas antes do colapso do túnel. O grande estrondo aconteceu pouco depois das 15 horas. Dois minutos depois, tudo desabou. "Esse movimento de solo costuma levar horas ou dias. Comparado a outros desastres em São Paulo e no mundo, foi a ruptura mais veloz que já estudei", afirma o engenheiro Roberto Kochen, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Kochen já analisou mais de 50 acidentes ocorridos em túneis em São Paulo e no mundo nos últimos 25 anos. Parte da escavação em Pinheiros vinha sendo feita em rocha do tipo gnaisse granítico. Outra parte do terreno era formada por saprolito gnaisse. A resistência da primeira é muito maior que a da segunda. Em um longo estudo feito em 2002 por engenheiros do Metrô sobre aspectos geológicos e geotécnicos do solo da Linha 4, assinado pelos engenheiros Hugo Rocha, Ricardo Leite e Cybelle Vasconcellos, o terreno em torno da Estação Pinheiros foi apontado como o de pior qualidade de todo o ramal. Rocha podre "O saprolito, também chamado de rocha podre, é típico dos trópicos", afirma o engenheiro Flávio Massayuki Kuwajima, professor de mecânica do solo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). "Como as melhores universidades que tradicionalmente estudam o solo estão em climas temperados, ainda sobram lacunas sobre esse tipo de material." O desconhecimento geotécnico do terreno da região é agravado porque nunca uma obra do porte da Linha 4 foi feita no trajeto da Vila Sonia, zona sul, à Luz, centro. É diferente da região da Avenida Paulista, com diversos estudos e sondagens acumulados ao longo dos anos. Esse lapso no conhecimento é agravado pela má qualidade do subsolo na área do acidente. Engenheiros do consórcio admitiram para a reportagem que não têm registro de obra construída em condições geológicas semelhantes no mundo. Ao que tudo indica, engenheiros e projetistas seguiram os coeficientes de segurança recomendados. Na escavação da Estação Pinheiros, segundo os próprios projetistas, ele foi de 2,5. Ou seja: a estrutura havia sido dimensionada para suportar mais que o dobro da pressão exercida pela rocha que envolve o túnel. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estipula índices de 1,5 a 3 para fundações. Somado ao solo pouco conhecido, a chuva teria funcionado como um catalisador do desabamento. Engenheiros do Via Amarela reclamaram da interpretação dada à nota divulgada pelo consórcio horas depois do desastre, de que as empreiteiras culparam a chuva pela tragédia. Mas o texto menciona "indícios" de que as chuvas "teriam causado uma reação anômala e inesperada no maciço de terra". Assessores contratados pelo Via Amarela depois do acidente admitiram que o corte de termos técnicos da nota deu margem a equívocos. "A chuva pode ter sido o fator detonador, não a causa", explica um engenheiro.

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