Análise: Lei que cria cadastro de pedófilos é mais uma regra sem eficácia

'O direito penal se espetaculariza para impressionar e não para prevenir'

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Por Soraya Lunardi e Dimitri Dimoulis
Atualização:
Para especialistas, lei não tem eficácia social Foto: Pixabay

Lei estadual do Mato Grosso do Sul pretende criar e disponibilizar a qualquer interessado ou curioso, nomes, fotografia e outros dados pessoais de pessoas condenadas por crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

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Objetivo da lei é estigmatizar socialmente certas pessoas. Isso ocorre mediante um mecanismo de dupla seletividade. Primeiro, são rotulados como pedófilos todos aqueles que foram condenados por uma série de delitos de conteúdo sexual. Um termo da medicina e da psicologia é utilizado de maneira abusiva para unificar condutas penais. Não interessa o que disse a justiça em cada caso. Interessa apenas a criação de mais um inimigo público: do “pedófilo” ao lado do “bandido” e do “corrupto”.

A segunda seletividade consiste em escolher para a inclusão do cadastro de um pequeno número de crimes entre as centenas que são punidas pela legislação brasileira. Porque não fazer o mesmo com quem agride sexualmente adultos, desmata a Amazônia, tem condutas racistas, se apropria indevidamente do patrimônio público? Essas condutas prejudicam menos a sociedade?

Além desses problemas de política criminal, a lei é de constitucionalidade duvidosa. Tanto porque os Estados não podem instituir sanções para crimes além das previstas na legislação federal, como porque os direitos do condenado à dignidade, à liberdade e à privacidade se opõem a essa providência.

O mais preocupante é a concepção dos nossos representantes políticos sobre o direito penal. Espera o legislador que os pais circularão pelas ruas com o cadastro dos pedófilos na mão e sairão correndo com seus filhos assim que encontrarem algum? Ou se considera que a vizinhança agredirá verbalmente ou mesmo perseguirá e expulsará pessoas incluídas nesse cadastro, permitindo uma vingança popular institucionalizada?

O mais provável é que nada disso acontecerá. Teremos apenas mais uma lei penal sem eficácia social. O direito penal se espetaculariza para impressionar e não para prevenir. Em tempos remotos, condenados recebiam penas de humilhação em praças públicas. A execução da pena capital era um dos mais importantes acontecimentos sociais na Europa e nas Américas. E todos nós vimos fotos de cabeças de criminosos expostas nas entradas das cidades. Em tempos de internet a espetacularização adquire outras formas. Mas a essência é a mesma.

 * SORAYA LUNARDI É PROFESSORA DE DIREITO PÚBLICO DA UNESP E DIMITRI DIMOULIS É PROFESSOR DE DIREITO DA FGV DIREITO SP

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