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Análise: Redução de maioridade penal não resolve problema

Para sociólogo e professor do câmpus Leste da USP, investimento em ressocialização de jovens pode combater avanço da violência

Por Wagner Iglecias
Atualização:

SÃO PAULO - Muitos países têm uma maioridade penal menor do que a brasileira, abaixo de 18 anos, mas são locais que oferecem uma condição para o adolescente desenvolver o seu potencial como estudante, como cidadão, muito maior do que encontramos no Brasil. O problema é que a maioria desses internos que estão na Fundação Casa ou que se envolvem em atividades relacionadas ao crime, em geral, vem de famílias desestruturadas e muito pobres, são jovens que tiveram acesso muito precário à educação, à saúde e aos serviços públicos em geral.

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Reduzir a maioridade penal é mascarar o fato de que o Estado tem de investir pesadamente na infância e na adolescência, na juventude brasileira. Daqui a pouco, a Fundação Casa vai estar lotada de crianças de 12, 13 anos. Já não será o jovem de 16 anos.

Sabemos que há um problema grave. De fato, existem adolescentes infratores, mas a porcentagem dos que cometem o crime de homicídio, por exemplo, é muito pequena. A grande maioria dos homicídios no Brasil é cometida por adultos e não por garotos de 16 anos. A real incumbência do Estado é prover condições para que as crianças e os adolescentes do Brasil se desenvolvam como adultos saudáveis, integrados à sociedade. Reduzir a maioridade penal é um paliativo, é o Estado se desresponsabilizando de sua real obrigação, que é criar meios para que esses jovens não caiam no roubo, no tráfico de drogas e nos vários tipos de crimes que levam muitos a estar hoje no sistema convencional da Fundação Casa.

Em 2013, menores fugiram durante um motim na unidade da Fundação Casa de Itaquera, zona leste de São Paulo Foto: Márcio Fernandes/Estadão

Existe uma pressão da sociedade. E isso pode fazer com que os parlamentares, para atender essa demanda e esse tipo de eleitor, fique sensível e tenda a aprovar a redução da maioridade penal. Se fizessem um plebiscito hoje, provavelmente, a maioria da população votaria a favor da redução. Existem pesquisas que demonstram isso. Mas é um equívoco.

Essas casas destinadas aos jovens infratores têm de ser melhoradas em sua gestão, nos recursos destinados a elas, porque o objetivo delas não é prender. É ressocializá-lo, é torná-lo capaz de voltar a ter convívio com a sociedade e se tornar um jovem adulto correto, que não se envolva mais em atividades ligadas ao crime. Tem de ter mais recursos, qualificação das pessoas que trabalham nesses locais e mais pessoas trabalhando neles, porque, de fato, abolir as casas não é a solução.

Há jovens que caem no crime e precisam de algum tipo de tratamento pelo Estado, não dá para fingir que não existe. A redução da maioridade penal é pegar esse pessoal e jogar dentro do presídio. É simples essa saída. Mas os presídios já estão lotados. Se enquadrarem esses milhares de jovens, onde vão colocar, se já não há vagas para os adultos?

A questão é dar condições e infraestrutura para que as instituições voltadas aos adolescentes cumpram a sua função que é a ressocialização desses adolescentes infratores. Também é preciso um reforço da cultura de respeito aos Direitos Humanos. Não é porque o jovem caiu no crime, que é infrator, que deve pagar por esse preço a vida toda. O objetivo é que ele volte para a sociedade como um trabalhador, como um cidadão. Tem uma escalada na nossa sociedade de soluções mais duras e mais fáceis. Ninguém está afim de debater. As pessoas querem soluções rápidas, mas os problemas são complexos e as soluções, mais ainda.

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WAGNER IGLECIAS É SOCIÓLOGO E PROFESSOR DA ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

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