Análise: Debate sobre drogas avança, mas há risco de desigualdade

'O uso da maconha se torna um problema de saúde pública, mas o crack, por exemplo, continua sendo um problema de polícia'

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Por Rubens Glezer e Eloísa Machado
Atualização:
Supremo retomou sessão sobre porte de drogas nesta quinta Foto: CARLOS HUMBERTO/STF

Até o momento, três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram pela descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, mas essa coincidência de resultado oculta uma divergência profunda, que faz jus à complexidade da questão social por trás do problema jurídico. Antes e depois de votações, os ministros debateram se o eventual resultado de descriminalização diria respeito a todas as drogas ou se estaria restrita apenas ao caso da maconha. 

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A dúvida dos ministros é em parte processual-jurídica e em parte política. No aspecto jurídico, o Tribunal precisa decidir se está julgando apenas casos semelhantes ao que ensejou o recurso ao Supremo (porte de maconha) ou se trata do problema mais geral da incompatibilidade entre a criminalização do uso de drogas e o direito à autonomia e à intimidade. No aspecto político, a opção por uma decisão focada apenas na maconha parece ser uma estratégia para viabilizar um consenso mínimo. Contudo, apesar da aparência sensata da solução de deixar outras drogas sob o crivo penal, ela carrega consigo um potencial de agravar a vulnerabilidade.

Em seus votos, todos os ministros reconheceram que a criminalização do uso de drogas causa estigma social e expõe as parcelas mais vulneráveis da sociedade aos abusos do sistema de Justiça, bem como afasta os usuários do sistema de saúde. Ao restringir a decisão à maconha, porém, os grupos sociais vulneráveis continuam desprotegidos. O uso da maconha se torna um problema de saúde pública, mas o crack, por exemplo, continua sendo um problema de polícia. O tráfico continuará sob o peso da seletividade do sistema de Justiça. 

Descriminalizar o uso é um sinal de avanço para as liberdades, mas com um risco de se imunizar alguns e deixar outros ainda mais vulneráveis, sobretudo aqueles usuários em situação de rua. Que igualdade é essa?

RUBENS GLEZER E ELOÍSA MACHADO SÃO PROFESSORES E COORDENADORES DO SUPREMO EM PAUTA DA FGV DIREITO-SP 

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