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Após chuva, nova lei de Belo Horizonte não veda canalização de rio

Cobrir cursos d’água agrava enchentes, diz professor; prefeitura prevê ações ambientais

Por Leonardo Augusto
Atualização:

BELO HORIZONTE - Esta semana, um temporal destruiu parte da região centro-sul de Belo Horizonte. O acúmulo de cursos d’água tampados na cidade, principalmente o Ribeirão Arrudas, é apontado por especialistas como um dos motivos para que a enchente tenha sido mais severa. A partir do dia 5, começa a vigorar o novo plano diretor da cidade, que proíbe tampar rios, mas deixa brecha para canalizações. Das 55 mortes em Minas desde a semana passada por causa das chuvas, 13 foram em BH. 

Chuvas causaram estragos na Avenida Marilia de Dirceu, em Lourdes, Belo Horizonte Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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Na canalização, o curso d’água é pavimentado, muitas vezes com alargamento. Pode haver transformação da calha, remoção de curvas e, em alguns casos, o rio é tampado. A nova lei diz apenas que é preciso “priorizar” que cursos d’água sejam mantidos no leito natural. BH é cortada por quase 700 quilômetros de córregos e ribeirões - 250 deles canalizados e, parte, cobertos. Tudo isso em uma cidade construída ao pé de uma serra, a do Curral, e sobre duas bacias hidrográficas, a do Arrudas e a do Onça. O crescimento da metrópole e a falta de atenção para permeabilizar o solo tornam as enchentes comuns.

Muitas vezes, o objetivo é esconder o mau cheiro do córrego. Marcus Vinícius Polignano, coordenador do projeto ambiental Manuelzão, ligado à Universidade Federal de Minas (UFMG), diz que o “encaixotamento” dos córregos transforma cursos d’água em “canhões hidráulicos”. “No modelo da natureza, sabiamente, os cursos d’água são sinuosos, serpenteiam, para quebrar a força da água. Na canalização, coloca-se o córrego retilíneo e o concreto, o que torna a velocidade da água muito maior”, diz ele, que também preside o Comitê da Bacia do Rio das Velhas, que passa pela Grande BH e é o maior afluente do Rio São Francisco

Chuva destruiu asfalto e arrastou veículos na Rua Marília de Dirceu, no bairro Lourdes, em Belo Horizonte Foto: Werther Santana/Estadão

Um vídeo do Museu da Imagem e do Som (MIS), da Prefeitura da capital mineira, feito na década de 1960 e que circulou pela internet esta semana, deixa bem claro a forma em que os cursos d'água eram tratados e a semelhança com o modelo recente. As imagens mostram a cobertura do Córrego do Leitão, e o alargamento das vias que o margeavam. O locutor, com a obra, anuncia o "fim das enchentes" e mais conforto para a população. O Leitão é exatamente o corre sob as avenidas e ruas destruídas no temporal de terça-feira.

A experiência mais recente de BH é a do Arrudas, o principal da cidade, cuja canalização foi há décadas. Há pelo menos 20 anos, esse modelo é condenado por especialistas. Mas, em 2007, o Arrudas teve parte do leito coberto em trecho do centro, com construção de um boulevard. As obras foram pagas pelo Estado, que tinha como governador Aécio Neves (PSDB), hoje deputado federal. O prefeito era Fernando Pimentel (PT). A inauguração da cobertura de parte do Arrudas teve discurso parecido com o do vídeo de anúncio das obras no Córrego do Leitão, na década de 1960.

Cinco vigas da estrutura foram afetadas pela pressão da água nas últimas chuvas. Duas caíram no leito. A prefeitura, da gestão Alexandre Kalil (PSD), diz que a queda das vigas não traz riscos à estrutura, por causa do número de estruturas atingidas.

O ambientalista afirma, ainda, que o modelo nunca foi revisto. "Todo o sistema hídrico tem como base a bacia, que drena para o vale. A política pública tinha de ter feito compensações. Em vez de asfaltar tudo, usar calçamento de pedras, por exemplo. Definir ainda percentual de impermeabilização, deixar áreas nas construções para que a água possa entrar no solo, além de parques, e a obrigação de que haja sistema de captação e contenção de água em prédios, empresas, shoppings. É preciso ter uma visão de bacia", analisa Polignano.

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O arquiteto e urbanista Flávio Carsalade, também professor da UFMG, afirma que a chuva de terça-feira foi inédita mas, ao mesmo tempo, demonstrou a existência de impermeabilização excessiva na cidade. "Temos uma relação pouco amistosa com a natureza." Ele diz ainda ser necessário priorizar outros tipos de transporte, que não o particular. "Quanto mais carros nas ruas, mais necessidade de ruas, o que aumenta a impermeabilização".

Secretária promete melhor drenagem e mais áreas verdes

Secretária de Políticas Urbanas de BH, Maria Caldas diz que o plano diretor traz “soluções baseadas na natureza”. Prevê ampliar áreas ambientais em 40 km² e elevar a capacidade de drenagem, com mais áreas verdes e obrigação, por construtoras, de criar caixas de coleta de água nas edificações com capacidade igual à que o terreno teria a céu aberto. 

O plano alterou ainda a exigência de taxas de área verde nas construções. Quanto mais densa a área, maior a parte da edificação a ser reservada para a vegetação.  Sobre as chuvas de terça-feira, Maria ressalta que, com ou sem canalização, o volume de água que caiu sobre a cidade provocaria estragos. "O que gera isso é o somatório de impermeabilização." Segundo a titular da pasta, o mundo ainda não tem um novo modelo de cálculos no que se refere aos impactos das tempestades. "Não sabemos qual é o novo regime de chuvas."

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