Armas são vendidas até por WhatsApp

Anúncios no Facebook prometem compra ‘sem burocracia’; para especialista, páginas contrariam Estatuto do Desarmamento

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Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Fabio Leite e Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - “Você já pensou em comprar armas de fogo na internet, com total sigilo e recebê-las em casa?” O anúncio, feito há um mês em uma página pública no Facebook, revela como o comércio ilegal de armamentos acontece abertamente nas redes sociais, sem qualquer fiscalização. O Estado entrou em contato com o vendedor anônimo por meio de um número de WhatsApp divulgado na rede social. Em poucas mensagens trocadas em quatro horas, negociou a compra de dois revólveres calibre 357, de uso restrito, com cem munições, anunciados por R$ 2.640.

O vendedor, que administra a página Venda de Armas e Acessórios, exigiu apenas um comprovante de residência e disse que entregaria as armas em domicílio em até quatro dias “via transportadora de confiança” após o depósito bancário. Questionado sobre a situação das armas, ele disse que ambas não têm registro. A reportagem não efetuou a compra.

Tanto a venda sem autorização quanto a publicidade de armamento são crimes no Brasil, com pena de até 8 anos de prisão e multa, mas a reportagem constatou a prática em ao menos dez grupos fechados ou secretos no Facebook Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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Por lei, o comércio de armas pode ser feito apenas por fábricas e lojas especializadas cadastradas ou entre pessoas que têm posse ou porte de arma em dia e, mesmo assim, mediante autorização da Polícia Federal ou do Exército. O comércio ilegal de armas, assim como a exposição dos produtos, é crime com pena de até oito anos de prisão e multa. 

No Facebook, porém, as regras são desrespeitadas. Na última sexta-feira, a mesma página de venda de armas, cujo administrador diz morar no Jardim São José, na zona norte de São Paulo, oferecia revólveres e pistolas de calibres 22, 32, 38, 375, 380 e 9mm. Além do aplicativo de celular, as compras podem ser efetuadas por e-mail “sem burocracia”.

Somente no último mês, dez pessoas demonstraram interesse em comprar as armas vendidas por ele. A reportagem tentou contato com dois deles pelo Facebook, mas não obteve retorno. O autor da página também não respondeu à mensagem e e-mails enviados pelo Estado na sexta-feira.

“A observação que a gente faz é que o processo de transferência, venda ou doação pela internet deve seguir rito semelhante à aquisição em uma loja de armas, que inclui a apresentação de todos os documentos requeridos. O vendedor precisa pedir com antecedência à Polícia Federal a emissão de uma Declaração de Intenção de Venda. É a Polícia Federal que vai autorizar essa venda para que, depois, a arma seja repassada”, explica o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.

Neste domingo, o Estado revelou que páginas e grupos fechados e secretos no Facebook anunciam e negociam a compra de armas, munições e acessórios controlados pelo Exército e pela PF. Questionados sobre a prática, a PF, a Polícia Civil de São Paulo e o Exército se eximiram de responsabilidade pela investigação do comércio de armas de fogo pelo Facebook. 

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Menos burocracia. A Império Armas, empresa que fica em Atibaia, no interior de São Paulo, e se descreve como especializada em assessoria em processos junto ao Exército e à PF, “com o objetivo de diminuir a burocracia dos órgãos responsáveis pela legalização de armas no Brasil”, também divulga armamento com preços em sua página no Facebook e nos grupos fechados, como uma carabina de calibre .40 e uma espingarda de calibre 12.

Procurada pela reportagem, uma funcionária que se identificou apenas como Gabrieli disse que a empresa não vende armas, apenas anuncia produtos de parceiros. Segundo ela, não há irregularidade na prática. “Não somos uma loja de armas. Nós vendemos assessoria documental. Geralmente, quando é uma coisa ilegal, o Facebook barra”, justifica.

Estímulo. Para Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), as páginas estimulam a compra de armas, na contramão do que prega o Estatuto do Desarmamento, de 2003. “Estudos mostram que quando as polícias fortalecem ações de apreensões de armas, os crimes, como homicídios, caem”, afirma.

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