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Arquitetura (quase) perdida em São Paulo

Projetos de restauro dão esperança a obras assinadas por mestres

Por Edison Veiga
Atualização:

Nas infinitas cicatrizes urbanas de São Paulo é inevitável encontrar histórias mal-acabadas. Ao longo dos anos, proprietários se encarregaram de bancar reformas, muitas vezes sem muito critério, em construções assinadas por vultos como Oscar Niemeyer, Álvaro Vital Brasil e Abelardo de Souza. Niemeyer tem 12 projetos arquitetônicos executados em São Paulo. Entre eles, o Edifício Califórnia, de 1951, na Rua Barão de Itapetininga, cheio de problemas de conservação - a começar pela fachada, cujos três pilares estão pintados cada qual de um tom. Há um mês, a situação era pior. Os comerciantes da galeria no térreo tinham avançado para a rua, "tapando-os". A Subprefeitura da Sé se encarregou de obrigá-los a respeitar o recuo. No saguão de entrada, um imenso painel abstrato de Candido Portinari, medindo 135 m², rouba a cena. Ao olhar de perto, a triste surpresa: faltam peças do mosaico. A boa notícia é a parceria entre o condomínio e a União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (Uniesp). A entidade adquiriu o espaço de 2 mil metros quadrados do edifício e fará ali um centro cultural e se comprometeu a restaurar, num primeiro momento, o painel abstrato e o espaço adquirido, onde era o Cine Barão - gasto estimado entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões. "Vamos reconstituir o que era original", diz Fernando Costa, presidente da Uniesp. A galeria é tombada desde 1992. Antonio Paglione, que começou a trabalhar lá em 1971 como faxineiro e foi promovido a zelador 11 anos depois, também espera pela reforma da fachada. A entidade se comprometeu a levantar R$ 1,8 milhão para a obra. "Tenho saudade mesmo é do Cine Barão, porque assistia a filmes sem pagar", lembra. Também assinado por Niemeyer, o Edifício Triângulo, de 1955, na esquina das Ruas José Bonifácio e Quintino Bocaiuva, não tem a mesma sorte. Há cerca de duas décadas, foram retirados os brises e, em sua entrada, o painel de Di Cavalcanti, tombado em 2004, está em péssimo estado. "Tem muitos que trabalham aqui e nem sabem onde está o painel. Meu sonho é vê-lo restaurado", diz o zelador Everaldo dos Santos. Marco da arquitetura modernista, o Edifício Esther, na Rua 7 de Abril, sofre com anos da degradação. "Criamos até uma comissão de restauro, para tentar viabilizar um projeto", conta a advogada Márcia Olmos, cujo escritório ocupa um apartamento da cobertura, onde morou o pintor Di Cavalcanti. Pelo orçamento de 2005, a obra custaria R$ 6,1 milhões. Ao longo dos anos, foram construídos "puxadinhos" nos terraços e o acabamento foi modificado. Colunas internas, arredondadas, ganharam ângulos retos. Protegido pelos órgãos de conservação municipal e estadual, o prédio é visado pela Prefeitura para ser a nova sede da Secretaria da Educação. Em 2008, foi objeto de um decreto de utilidade pública, mas a negociação com os proprietários promete ser complicada. Já o Edifício Nações Unidas, na Avenida Paulista, deve passar por reformas em breve. "Vamos modernizar o material de acabamento", afirma o síndico Luiz Vieira. Projetado por Abelardo de Souza, o conjunto já sofreu uma descaracterização importante em 1974, quando foram retirados os brises, de madeira, de sua fachada. Entre as mudanças previstas pelo síndico, orçadas em R$ 950 mil, está a troca do piso - de pedra mineira - por granito. Em 2004, o Conpresp abriu o processo de tombamento do edifício. Nos Jardins, resta relativamente original apenas um exemplar do conjunto de 17 casas criado pelo artista plástico Flávio de Carvalho nos anos 1930. "O poder econômico e a ignorância das pessoas causaram essas reformas que o descaracterizaram", diz Lucita Marques da Costa, a proprietária do remanescente. "Hoje, o meu é o mais valorizado." A única reforma foi realizada há 15 anos. O enorme banheiro virou dois e sala de jantar e cozinha foram unificadas. "Quando encontrei, foi a amor à primeira vista", admite Isabel Machado, dona da loja Rosa Preguiçosa, que funciona no endereço. A vila está em processo de tombamento desde 2004. Para o arquiteto Lúcio Gomes Machado, da Universidade de São Paulo, as pessoas precisam entender que um imóvel preservado acaba valorizado. "Sempre existirá um público que quer morar em prédios de grife."

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