As mudanças na vida de quem ficou

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Por Renato Machado
Atualização:

Após quase dois anos, o acidente com a futura Estação Pinheiros do Metrô ainda mexe com a vida das pessoas. Muitos preferiram deixar a região, com medo de novos desabamentos e por causa do incômodo gerado por caminhões, explosões e barulhos de obras. Para os que ficaram, as mudanças foram mais profundas. Há quem passou da condição de morador à de desalojado, e microempresário que virou flanelinha. Contra sua vontade, a taxista Rosa Maria Noschese Pescuma, que hoje completa 55 anos, vai deixar a casa que alugou há uma década para viver com uma filha e o neto. Logo após os desabamentos, algumas ruas foram interditadas, entre elas a Gilberto Sabino, onde fica sua residência. A taxista, assim como os demais moradores, foi acomodada em um hotel, onde ficou por quase um ano, até ser expulsa. O primeiro problema de morar no hotel foi perder a companhia da filha, que preferiu mudar com o menino para a casa do pai. Além disso, a taxista, que antes morava em uma das casas em um terreno com um grande quintal, teve de dividir o pequeno quarto com seus dois cachorros. "Imagina o que é viver quase um ano num quarto minúsculo com dois cachorros." Nesse período, ela iniciou um processo judicial contra o Consórcio Via Amarela - responsável pela obra -, pedindo indenização por danos morais e materiais. O quintal de sua casa ficou cheio de rachaduras após o acidente e ela queria primeiro realizar os consertos antes de voltar para casa. No entanto, às vésperas do réveillon de 2008, ela recebeu uma decisão judicial informando que teria de desocupar o quarto. "Eu estava voltando para o quarto para tomar um banho e ir para a casa da minha filha passar a virada, quando o funcionário me disse que eu não morava mais ali." Na volta para casa, ela gastou cerca de R$ 3 mil do próprio bolso para consertar as rachaduras. Também precisou comprar uma nova caixa de força para que a Eletropaulo religasse a energia elétrica. Todo o esforço, porém, foi em vão. Por causa do incidente de dois anos atrás, das rachaduras e da deterioração da região, a proprietária do imóvel não consegue alugar a casa principal do terreno em que mora Rosa. A solução encontrada foi demolir tudo e construir no local um estacionamento. "Saio com dor no coração. Meu ponto de táxi é aqui, minha clientela é daqui, minhas amigas estão aqui", diz Rosa, que vai morar com a filha em Osasco. O desenrolar dos fatos pode significar a volta aos negócios de José Carlos de Oliveira, de 34 anos. Ele e uma sócia pretendem alugar o terreno para montar um estacionamento, empreendimento que tinham na mesma rua antes da tragédia. Oliveira fez a parceria com a sócia porque ela tinha um grande terreno na rua. Ele utilizava a área para guardar os carros e dividia os lucros com ela. O negócio deveria durar dois anos, pois ambos sabiam que o terreno seria desapropriado para a ampliação do metrô. O projeto de Oliveira era juntar dinheiro para montar um estacionamento em outra região. Nos poucos meses em que o negócio funcionou, os sócios ganhavam R$ 500 por dia. No entanto, o estacionamento foi fechado com a interdição da Rua Gilberto Sabino - que permanece com um trecho inacessível - e, há três meses, foi totalmente desapropriado e demolido. Oliveira mantém a atividade de guardar carros. Mas agora ele para os veículos em garagens de algumas residências ou cuida dos que estão nas ruas. "Eu era um microempresário e agora virei um flanelinha." INTERDIÇÕES Quase dois anos após a tragédia, muitas famílias ainda lutam na Justiça em busca de indenizações por danos materiais. Isso porque suas casas passaram a apresentar rachaduras ou tiveram cômodos interditados pela Defesa Civil municipal. E essa briga promete ser longa, pois muitos deles estão um pouco distantes da cratera. O Consórcio Via Amarela só reconhece os prejuízos dos imóveis localizados em um raio de 50 metros do túnel. "Acho que teríamos de morar dentro da cratera para receber alguma indenização", diz Zelma Marinho, de 53 anos, moradora da Rua Amaro Cavalheiro. Ela conta que muitas rachaduras em sua casa apareceram antes da tragédia, quando começaram as perfurações. Após os desabamentos, aumentaram os riscos e um muro caiu sobre uma de suas filhas, que teve ferimentos na mão. A varanda também ameaça ceder e um dos quartos da casa foi interditado pela Defesa Civil. "Como podemos ficar tranquilos se temos um bebê na casa e há um cômodo que foi condenado?", questiona. Por causa dos riscos, sua filha passou a dormir em um quarto nos fundos da residência. "E eu durmo no outro do andar de cima. Meu marido tem de ficar na sala."

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