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Assassinato causa metade das mortes de jovens no País

'Atlas da Violência' revela retorno dos homicídios de pessoas de 15 a 29 anos após período de tendência de estagnação; ministério diz auxiliar Estados e municípios

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Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - Os assassinatos representam hoje quase a metade (47,8%) das causas de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil, e a taxa de homicídios por 100 mil pessoas nessa faixa etária cresceu 17,2% entre 2005 e 2015 após ter começado a apresentar sinais de estagnação na década passada. Essa é uma das constatações do Atlas da Violência 2017, relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que se baseia no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, para analisar a questão no País.

O porcentual de homicídios como causa de morte entre os jovens sobe ainda mais se o recorte for feito para pessoas de 15 a 19 anos: 53,8% Foto: Ralph D. Freso/Reuters

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De acordo com o levantamento, que está sendo divulgado nesta segunda-feira, 5, em 2015 aconteceram 31.264 homicídios de jovens no Brasil - esse é o fator preponderante para as mortes desse público ante outras causas como acidentes de trânsito e doenças em geral.

Os pesquisadores destacam que até a década passada parecia que essa tendência de vitimização juvenil vinha perdendo força, já que entre 2000 e 2010 o incremento na taxa de mortes havia sido de 2,5%, ante 20,3% nos anos 1990 e 89,9% em 1980.

"Contudo, os últimos dados disponíveis do Ministério da Saúde nos mostram um recrudescimento do problema", descreveram os pesquisadores. 

Vulnerabilidade social, explicitada também pelas deficiências na educação básica, ajudam a entender o cenário, dizem os pesquisadores. 

"Não se investe adequadamente na educação infantil (a fase mais importante do desenvolvimento humano). Relega-se à criança e ao jovem em condição de vulnerabilidade social um processo de crescimento pessoal sem a devida supervisão e orientação e uma escola de má qualidade, que não diz respeito aos interesses e valores desses indivíduos", afirmam. "Quando se rebela ou é expulso da escola (como um produto não conforme numa produção fabril), faltam motivos para uma aderência e concordância deste aos valores sociais vigentes e sobram incentivos em favor de uma trajetória de delinquência e crime."

O porcentual de homicídios como causa de morte entre os jovens sobe ainda mais se o recorte for feito para pessoas de 15 a 19 anos: 53,8%. 

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"O que se observou nos dados é um futuro da nação comprometido. Entre 2005 e 2015, nada menos do que 318 mil jovens foram assassinados", escrevem os pesquisadores. A taxa de assassinatos na faixa etária é de 60,9 ante 28,9 da média brasileira geral. 

Por Estado, o quadro é considerado heterogêneo, com São Paulo conseguindo reduzir 49,4% dos homicídios de jovens entre 2005 e 2015, enquanto no Rio Grande do Norte a elevação registrada foi de 292,3%.

"Enquanto isso, a sociedade, que segue marcada pelo temor e pela ânsia de vingança, parece clamar cada vez mais pela diminuição da idade de imputabilidade penal, pela truculência policial e pelo encarceramento em massa, que apenas dinamizam a criminalidade violenta, a um alto custo orçamentário, econômico e social", analisam os especialistas, entre eles o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, Renato Sérgio de Lima, e a diretora executiva do Fórum, Samira Bueno.

Perto dos 60 mil

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A análise do Ipea confirmou os números levantados pelo Fórum quanto ao número total de homicídios no País em 2015: 59.080 - uma leve queda ante os 60.474 registrados em 2014, mas com 2 mil casos a mais ante 2013. Uma média estimada do que se mata no País em três semanas chega a ser mais elevada do que todos os ataques terroristas somados no mundo nos primeiros cinco meses de 2017, que deixaram 3.349 vítimas. O cenário é classificado pelos especialistas como uma "tragédia diária de contornos inimagináveis".

"Tal índice revela, além da naturalização do fenômeno, um descompromisso por parte de autoridades nos níveis federal, estadual e municipal com a complexa agenda da segurança pública."

O relatório mostra que 111 municípios, 2% do total, respondem pela metade dos assassinatos em todo o território brasileiro; 10% das cidades concentram 76,5% do total de mortes. Entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, Altamira, no Pará, foi considerado o mais violento, com uma taxa de homicídio de 105,2. Na outra ponta, como a menos violenta, está Jaraguá do Sul, em Santa Catarina: 3,1.

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"Enquanto os indicadores de escolaridade e de renda são francamente favoráveis ao município catarinense, consideramos outros canais que potencialmente explicam a relação entre crescimento econômico e criminalidade violenta, que podem ajudar a entender as diferenças de letalidade violenta nos territórios." 

Em meio às críticas diante do cenário de violência predominante no País, a pesquisa ressalta bons exemplos, como a política do Estado Presente, programa do Espírito Santo. A articulação é apontada como um dos fatores responsáveis para fazer com que o Estado tenha saído da lista dos cinco mais violentos pela primeira desde 1980, ocupando agora a 15ª posição nacional.

"É um exemplo interessante e que deve ser acompanhado de perto, porque os investimentos e as qualificadas inovações em segurança pública tiveram a continuidade em dois governos, ainda que os eventos associados à greve da PM (Polícia Militar) neste ano tenham nos mostrado o frágil equilíbrio das boas políticas em torno da paz social, que podem retroceder sem aviso prévio", detalham. 

O retrocesso é exemplificado por meio do caso de Pernambuco. Lá, o programa Pacto Pela Vida foi uma ilha de diminuição de homicídios no Nordeste entre 2007 e 2013. "Contudo, houve um aumento dos homicídios nesse Estado, a partir de 2014, que apenas no último ano aumentou 13,7%, fazendo com que a prevalência de homicídio voltasse ao padrão observado entre 2009 e 2010", ponderam.

Diante do cenário no País, os pesquisadores encerram com cobranças para ação das autoridades. "Fica patente a necessidade de um maior comprometimento das principais autoridades políticas e do campo da segurança pública em torno de um pacto contra os homicídios, em que a coordenação, o planejamento e a boa gestão venham a substituir o proselitismo político vazio, seguido de ações midiáticas que nada resolvem." 

Coordenação. Em nota, o Ministério da Justiça disse auxiliar os Estados e municípios "com medidas de coordenação e através de estruturas como a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário Nacional e também através da formação e capacitação de pessoal". 

Ressaltou, porém, que no modelo federativo vigente são os Estados que têm uma "parcela muito grande dessa obrigação". "No entanto, atualmente o crime ultrapassou as fronteiras estaduais, se tornou interestadual e até internacional. Assim, cresce a necessidade da União na participação da Segurança Pública nas áreas de integração, coordenação, alocação de recursos, padronização de procedimentos e de tecnologia", informou. 

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A pasta disse que, diante da modificação do modo de agir das organizações criminosas, "com novas tecnologias sendo exploradas em proveito das ações criminosas", novas ações são necessárias, como "modificações na legislação, integração de inteligência policial, integração de banco de dados, auxílio direto e integrado aos estados e municípios, desenvolvimento de ações estruturantes, entre outras".