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Ateliê restaura vitrais com ''pedigree''

Maioria dos trabalhos do tipo no País leva grife Conrado Sorgenicht

Por Edison Veiga
Atualização:

Somados, são 300 m² de vitrais. Cerca de 200 mil peças de vidro. Quase 100 anos de história. Se os números já impressionam, a imagem se encarrega de dar beleza a um trabalho artesanal: em um pequeno cômodo no Parque Santo Antônio, perto da Estrada do M?Boi Mirim, três senhores dedicam-se, desde outubro, a restaurar os 25 belos conjuntos de vitrais do Teatro Municipal, que passa por longa e completa reforma em preparação aos festejos de seu centenário, a ser comemorado em 2011. Os pedaços de vidro pintado evocam a memória de um homem que se tornou sinônimo da arte de vitrais: Conrado Sorgenicht Filho (1904-1994). O avô de Sorgenicht, também Conrado, trocou a Alemanha pelo Brasil em 1888, e fundou em São Paulo, perto da Estação da Luz, um ateliê dedicado à fabricação de vitrais artísticos. Com sua morte, em 1901, o negócio passou para o filho homônimo. A terceira geração, nas mãos de Conrado Sorgenicht Filho, começou informalmente quando este, ainda moleque, ajudava o pai - costumava dizer que, aos 6 anos, o ajudara a fazer os vitrais do Teatro Municipal - e se tornou oficial em 1935, quando herdou a empresa. O trabalho da família ganhou tal notoriedade que o nome Conrado Sorgenicht virou grife do ramo, a ponto de se tornar o preferido do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), autor do projeto do Teatro Municipal, entre outros marcos paulistanos. Estima-se que 80% dos vitrais brasileiros existentes hoje sejam da estirpe - só em São Paulo estão em cerca de 300 igrejas, no Mercado Municipal, na Fundação Armando Alvares Penteado, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e no Teatro Municipal. A tradição corria o risco de se extinguir com a morte do último Conrado Sorgenicht, pois sua filha única não se interessou em seguir a carreira. "Então assumimos a empresa", conta Sergio Nascimento, de 51 anos - 27 deles trabalhando com o "velho Conrado", com quem aprendeu "tudo sobre vitrais". Hoje Sergio atua na companhia do irmão, Benedito Nascimento, de 49 anos, e do cunhado, Lucio dos Santos, de 47. São os três senhores do início desta reportagem. Eles admitem que o que mais fazem atualmente é restaurar obras feitas pela família Sorgenicht no passado. "Gostamos muito desse tipo de trabalho", diz Sergio, relembrando seu mestre, Conrado. São raros os serviços novos. Às vezes aparece uma igreja ou outra. Para nortear a tarefa de restauração das peças do Teatro Municipal - que já haviam passado por processo semelhante em 1982, quando o ateliê ainda era capitaneado por Conrado - eles se guiam por desenhos detalhados dos conjuntos. São verdadeiros mapas, onde cada uma das 200 mil peças tem um número. Na hora de desmontar os vitrais, os pedaços de vidro são marcados com um pedaço de fita crepe, numerado com caneta. "Depois é um quebra-cabeça para montar tudo de novo", conta Lucio. "Precisa ficar do mesmo jeito que era antes." O processo todo inclui a limpeza e o polimento das peças, a substituição das que estão quebradas ou trincadas e o realce da pintura. Cada demão de tinta pede 24 horas de forno, a temperatura média de 600° C, para a cor impregnar o vidro. "Dependendo da peça, preciso colocar cinco vezes no forno", explica Benedito. Um trabalho minucioso e paciente. Já restaurados, os primeiros quatro conjuntos de vitrais foram recolocados no Municipal há uma semana. Até o fim do ano, espera-se que todos voltem a embelezar um dos mais famosos símbolos de São Paulo. Com uma novidade. "Os que ficam na área externa ganharão uma proteção de vidro, de 4 milímetros", adianta a arquiteta Rafaela Calil Bernardes, do Departamento de Patrimônio Histórico, que acompanha a obra. Ela garante que o vidro não vai atrapalhar a visualização dos vitrais. "E serão muito úteis contra as intempéries."

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