Auxílio-voto da Justiça de SP é ilegal, diz CNJ

Com benefícios, juízes paulistas recebiam mais que desembargadores; órgão pediu ao TJ dados financeiros 'omitidos'

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Por Mariângela Gallucci e BRASÍLIA
Atualização:

PARA ENTENDERConselho foi criado em 2004

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Criado em dezembro de 2004, o CNJ é responsável pelo controle e transparência do Judiciário. É formado pelo presidente do STF, um ministro do STJ e um do TST, um desembargador, 5 juízes, dois membros do Ministério Público, 2 advogados e dois cidadãos.

O auxílio-voto, adotado pelo Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo como compensação a um grupo seleto de juízes do Estado, que passaram a ganhar até o dobro de seus rendimentos, foi considerado ilegal e inconstitucional pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os magistrados atuavam em processos como uma espécie de "desembargadores reserva" e não pagavam tributos pelo benefício.

No julgamento no CNJ, a maioria dos conselheiros seguiu o voto do relator, Marcelo Neves, que alertou para o fato de que alguns juízes estavam recebendo mais do que desembargadores que integram o TJ e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O salário atual dos ministros do STF é de R$ 26.723,13. Pela Constituição Federal, o valor deveria ser o teto do funcionalismo público.

"Em alguns casos, magistrados chegaram a perceber quantia superior ao dobro do que recebe um ministro do STF, quando, inclusive, seu patamar deveria respeitar o valor dos subsídios dos desembargadores do tribunal", afirmou no julgamento Marcelo Neves.

Conforme o procedimento de controle administrativo analisado pelo CNJ, o juiz convocado a ajudar no TJ recebia R$ 2.593,47 para atuar em 25 processos. Na decisão, tomada em abril, o CNJ concluiu que o pagamento do auxílio-voto era irregular porque dá vantagem sem previsão na lei, concedida como verba indenizatória -e sob esse argumento imune ao teto do STF-, e sem o recolhimento de tributos.

Teto. Pelo voto do relator, a remuneração dos juízes convocados pelo Tribunal de Justiça não poderia ultrapassar o salário recebido pelos desembargadores do TJ, muito menos os vencimentos de ministros do STF. "Em que pese a aparente licitude da adoção desse critério (da produtividade), decorrente do incentivo à maior dedicação ao labor, o resultado foi nefasto aos cofres públicos e, também, ofendeu o texto maior, que veda expressamente a percepção, sob qualquer título, de subsídios superiores à remuneração dos ministros do STF", afirmou Marcelo Neves.

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Nas futuras convocações, o CNJ entendeu que os juízes têm o direito de receber apenas a diferença entre os seus salários originais e a remuneração dos desembargadores. "A diferença percebida a maior, acima dos subsídios integrais dos desembargadores, deve ser, em princípio, devolvida aos cofres públicos", concluiu Marcelo Neves no voto seguido pela maioria dos conselheiros do CNJ. Neves também defendeu que os magistrados têm de recolher os tributos devidos sobre os valores recebidos desse patamar.

Omissão. O conselho resolveu ainda reabrir uma reclamação disciplinar para apurar o fato de o TJ não ter prestado todas as informações requisitadas pelo CNJ sobre o auxílio-voto.

"As informações, contudo, foram prestadas de forma incompleta, sem a solicitada cópia dos contracheques dos magistrados", informou Marcelo Neves no julgamento.

Em seu voto, o conselheiro também determinou ao Tribunal de Justiça que forneça em 30 dias os dados financeiros "até aqui omitidos" relativamente ao pagamento do auxílio-voto, com os respectivos valores e extratos bancários. Os juízes que receberam o benefício deverão apresentar suas eventuais defesas num prazo que pode chegar a 60 dias.

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"Boa-fé". Para o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, o CNJ deveria primeiro ter ouvido os juízes convocados antes de determinar a devolução dos valores. "Os pagamentos foram feitos na boa fé. Os juízes só recebiam os valores na medida em que o serviço era prestado", disse Mascaretti.

Sobre o pagamento de valores altos, como R$ 25 mil de uma vez, o desembargador disse que alguns juízes preparavam os processos e baixavam cerca de 300 votos de uma só vez. "Ao invés de receber mês a mês recebiam valores acumulados", disse.

Em breve, o CNJ deverá discutir mais uma vez o auxílio-voto pago pelo TJ de São Paulo. O tribunal apresentou uma questão de ordem questionando a decisão do conselho que considerou o pagamento ilegal e inconstitucional.

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Do julgamento de abril para agora houve mudanças no CNJ. A presidência do conselho passou das mãos do ministro Gilmar Mendes para as do ministro Cezar Peluso, que é um juiz de carreira e durante 17 anos integrou o TJ paulista.

Supremo. Em sua primeira sessão como presidente do conselho, Peluso demonstrou discordar de algumas conclusões do CNJ e chegou a se indispor com um colega perguntando se ele o julgava imbecil.

Se o CNJ mantiver a decisão contrária ao pagamento do auxílio-voto, a Apamagis estuda recorrer ao STF. "Os juízes realizaram trabalho extra, inclusive para que a meta do CNJ, na medida do possível, fosse cumprida", afirmou o presidente da Apamagis.

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