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Bahia questiona ''''mesmice'''' do axé

Estudiosos e artistas já admitem necessidade de mudanças em carnaval que separa blocos e povão

Por Paulo Leandro
Atualização:

O modelo de "carnaval axé" começa a perder força em Salvador, por conta do que até mesmo os artistas consagrados reconhecem: a mesmice. A volta dos velhos "blocos de sujos", o improviso de estilo jocoso que fazia o carnaval baiano mais participativo e o fortalecimento das entidades de cultura negra ainda não são suficientes para tomar o lugar de Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Durval Lélis e Daniela Mercury, mas já há sinais de mudança que preocupam empreendedores do "carnaval business". O secretário da Cultura do Estado, Márcio Meirelles, foi o primeiro a admitir. "Vamos fortalecer o segmento afrodescendente e os afoxés durante todo o ano, para fazer um carnaval diferente no ano que vem. Chegou a um ponto em que é preciso intervenção do Estado", disse, antecipando editais para organizações culturais que possam fortalecer o que considera "a raiz do carnaval". Para ele, é preciso propor novos caminhos. "Dizem que a negrada é desorganizada, mas não é não." O recado vai para os blocos de imensos trios elétricos, que vendem abadás a turistas e baianos de classe média e, mesmo ainda tendo os melhores horários, já andam preocupados. Não por acaso, alguns já trabalham com a idéia de "diversidade de ritmos". É o caso do estilo autodenominado afropop brasileiro, divulgado pela cantora Margareth Menezes. Precursor do axé e fundador de um dos principais blocos baianos - o Eva -, o empresário e músico Jonga Cunha admite que é momento de pensar. "A mesmice artística preocupa? Preocupa. Está assolando nosso carnaval, e isso é um problema, um perigo muito grande, pois ela mesmo já está se esgotando na arte. Se o modelo não atende mais, temos de renovar e buscar novos nomes." Para ele, que também fundou o bloco Companhia Clic, o carnaval baiano pode começar a se esvaziar se não for feito "planejamento sério", que tenha como foco interesses do público e não de políticos em busca de "mesquinharias". "Daniela, Ivete, Brown e Durval não sofreriam tanto se o carnaval da Bahia acabasse", alerta, aludindo aos carnavais fora de época realizados em todo o Brasil. A idéia de Cunha não agrada ao professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Paulo Miguez. "Esses artistas são grandes porque o carnaval da Bahia os faz grandes, e não o contrário", afirma Miguez. Ele coordenou um estudo sobre lucros do carnaval, que sinalizou clara tendência de concentração de renda. De acordo com o valor declarado pelas empresas, a receita não passou de R$ 171,1 milhões, no ano passado. "Os agentes da gestão privada têm por hábito esconder números", afirma o professor, destacando que, como envolve questões de ordem fiscal e tributária, nem sempre o balanço registra o movimento da empresa. "Eles só costumam falar em grandes números quando é para fazer marketing." O "axezódromo" do Campo Grande, arquibancada para o público apreciar as estrelas, em vez de fazer a festa, é a principal demonstração da mudança de perfil que fragiliza o carnaval. Incentivada na gestão da ex-presidente da Emtursa e atual secretária de Turismo de Itaparica, Eliana Dumet, que coordenou a folia entre 1998 e 2004, essa lógica de platéia vem reduzindo, ano a ano, o espaço para o folião-pipoca, que brinca fora do bloco. CONTINUIDADE Tentando dar continuidade ao reinado do axé, Cláudia Leitte, que está trocando o grupo Babado Novo pela carreira solo, comandou o bloco Eu Vou, em seu primeiro dia de desfile no carnaval baiano. Ela fez uma pregação pela paz e ordenou aos fãs que abraçassem a pessoa que estivesse a seu lado.

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