Bem-vindos a São Paulo, expatriados

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Por Rodrigo Brancatelli
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Pontual e austero como sempre, Martin Hohmann chegou a desmarcar duas reuniões, esperando a tal da cervejinha. Não fazia nem uma semana que o empresário alemão de 29 anos estava em São Paulo, ainda tentando entender como funcionava aquele mar de carros e a língua complicada, quando encontrou com um importante diretor financeiro paulistano - uma chance de ouro para fazer negócios. Papo vai, papo vem, e no final do encontro o senhor comentou: "Então, tá, vamos marcar uma cervejinha. Abraços, até mais." "Claro que fiquei esperando, desmarquei reunião, fiquei com o celular em mãos, esperando a ligação dele", diz Hohmann com seu sotaque carregado. "Achei uma falta de respeito prometer algo e não cumprir. Só depois fui entender que esse é o jeito de vocês se despedirem, uma formalidade paulistana." Hohmann, expatriado de Berlim que veio trabalhar em São Paulo numa multinacional de bebidas por apenas um ano, agora não acredita mais nas cervejinhas. Mas diariamente cai em alguma dessas "armadilhas culturais", como chama seus enganos, que depois viram histórias engraçadinhas. Já se perdeu dezenas de vezes na cidade, teve intoxicação alimentar e até fez pré-contrato de cartão de crédito pelo telefone, achando que o nosso telemarketing fosse algum tipo de bondade. "O pior é o português. Por semanas, eu falei por mímica", diz. Os percalços do alemão se repetem nos mais diferentes graus de importância (e humor) por São Paulo, um dos principais centros para expatriados na América Latina. Pela definição, expatriado é uma pessoa estrangeira que chega para trabalhar por um período curto, de três meses a três anos. Uma pesquisa sobre transferências internacionais realizada pela consultoria Mercer mostra que 71% das empresas multinacionais com sede por aqui e pelo restante da América Latina aumentaram o número de transferências entre subsidiárias nos últimos dois anos. No restante do mundo, esse índice foi de 56%. As confusões culturais causadas por essa nova leva de imigrantes acabaram virando um mercado. Pelo menos cinco grandes empresas de consultoria montaram cursos específicos para que os estrangeiros se adaptem rapidamente ao dia-a-dia paulistano. Aprende-se gíria em português e a sambar desengonçadamente na escola de samba, assiste-se a um jogo do Corinthians no Pacaembu, ajuda-se na escolha da casa ou na escola dos filhos. E, caso o expatriado traga sua mulher a tiracolo, essas empresas arrumam até ONGs para que ela trabalhe enquanto o marido estiver em São Paulo. "Já demos aulas para empresário estrangeiro que estava há dez dias em São Paulo e ainda achava que estava morando no Nordeste", diz Mariana Barros, de 27 anos, sócia da empresa de treinamento cultural Differänce. "O que tentamos fazer é dar todo o apoio psicológico para atenuar o choque cultural. O importante é que o estrangeiro se acostume com São Paulo o mais rápido possível, para poder render no trabalho." APRENDENDO A PEGAR ÔNIBUS O Ministério do Trabalho aponta que, a cada ano, 25 mil vistos temporários são concedidos a expatriados - a maioria tem como destino São Paulo. A Differänce - que compete no mercado com outras empresas, como a Living in Brazil, Andréa Sebben e Mercer - já ajudou na adaptação de cerca de 600 expatriados. Apenas a Unilever, por exemplo, traz cerca de cem todo ano para a capital. O curso básico até que é rápido: cinco dias, incluindo visita a uma escola de samba, à Daslu e à Rua Oscar Freire. Dois dias do cursinho são dedicados à tarefa mais ingrata: habituar o estrangeiro ao trânsito, ensinar a pegar ônibus e a usar o metrô. "Cada grupo de estrangeiro tem uma particularidade", explica Mariana. "Os americanos, por exemplo, são os que menos se integram. Vão morar em Alphaville e copiam o estilo americano de viver por lá. Os alemães são os que mais têm dificuldade com as diferenças culturais, mas pelo menos tentam ao máximo se integrar, se esforçam de verdade." É batata: dez em cada dez expatriados que vêm para São Paulo reclamam logo de cara do trânsito, da falta de vida na rua e da sensação de insegurança. "Por causa do caos que existe aqui, você fica meio paralisado", conta o francês Frederic de Mariz, de 27 anos, que está há duas semanas na cidade para trabalhar temporariamente no banco JPMorgan. "Não quero ficar preso em casa, mas tenho medo de ficar solto por aí. Mas até agora estou adorando, gosto de passear pelo centro. Não fui assaltado ainda." O colombiano Diego Gonzalez virou "dona de casa expatriada", quando veio há um ano acompanhar a mulher, a americana Sherry Gonzalez. "Ela aceitou um cargo em uma corretora multinacional, mas eu não podia trabalhar, pois não tinha visto especial", conta ele, que aprendeu português lendo jornal e ouvindo todo santo dia alguma rádio de notícias (no começo, nem sabia a diferença entre a rádio de notícias e a rádio evangélica). "Fiquei em casa cuidando dos meus filhos, levando eles à escola. Também fui ajudar em uma ONG, para fazer algo de bom. Mas o choque maior foi com o tamanho da cidade, o trânsito, essa confusão toda. Morávamos em uma cidade pequena da Flórida. Isso aqui para a gente é gigantesco." A função das empresas de adaptação cultural é evitar que as multinacionais percam dinheiro, uma vez que o fracasso de um expatriado significa três vezes o valor gasto para trazer alguém. E a "paulistanização" não acontece de um dia para o outro - demora cerca de seis meses para que o trânsito comece a fazer sentido, as gírias sejam entendidas, o telemarketing seja odiado e tantas outras manias sejam assimiladas. "Eu me sinto em casa aqui, não tenho mais problemas, até meu sotaque é paulistano", brinca a advogada portuguesa Catarina Amaral Neto, de 32 anos, que veio para São Paulo ficar dois anos e já está há sete. Nesse meio tempo, teve uma filha, Aurora, hoje com 2 anos. "No começo era estranho, fui até trabalhar na Favela Real Parque (na zona sul) para não ficar em casa sem fazer nada. Realizava trabalho de alfabetização com crianças e isso me ajudou a entender o que é essa cidade. Hoje, ela é o nosso lar."

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