Bolsonaro veta obrigação de hospitais de notificar suspeitas de violência contra a mulher

Projeto determinava que unidades de saúde teriam até 24 horas para avisar a polícia; hoje, a exigência é só nos casos confirmados

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Por Felipe Cordeiro, Felipe Resk e Sandra Manfrini
3 min de leitura

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro informou ao Senado Federal que decidiu vetar, integralmente, o projeto de lei que obrigava hospitais das redes pública e privada a notificar casos suspeitos de violência contra a mulher à polícia em até 24 horas. O governo justificou o veto "por contrariedade ao interesse público".

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) participa de evento em São Paulo nesta quinta-feira Foto: Amanda Perobelli/Reuters

No projeto, a deputada federal Renata Abreu (PTN-SP) afirmou que não há canal de comunicação entre hospitais e delegacias que mapeie as áreas com maior concentração de violência a mulher. Segundo a parlamentar, a mulher agredida, por medo, deixa de registrar boletim de ocorrência, mas procura um hospital por causa das lesões.

"E, muitas vezes, não há conhecimento das Secretarias de Justiça do ocorrido e tal estatística passa despercebida."

A mulher agredida, por medo, deixa de registrar o boletim de ocorrência, porém, procura um hospital devido às lesões

Renata Abreu (PTN-SP), deputada federal

Atualmente, a legislação determina a notificação obrigatória de casos de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. Na justificativa enviada ao Senado, Bolsonaro afirmou que consultou os Ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos. Ambos se manifestaram a favor do veto integral.

"A proposta contraria o interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento e ainda que não haja risco de morte, mediante notificação compulsória para fora do sistema de saúde", afirmaram as pastas.

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No dia 10 de outubro, é comemorado o Dia Nacional de Combate à Violência contra a Mulher.

"Isso vulnerabiliza ainda mais a mulher, tendo em vista que, nesses casos, o sigilo é fundamental para garantir o atendimento à saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor", disseram os ministérios.

A medida do presidente divide especialistas.

Para a advogada criminalista e ex-procuradora Luiza Nagib Eluf, o veto foi "um erro incompreensível e injustificável". Segundo ela, a lei contribuiria para o combate à violência contra a mulher, uma vez que poderia melhorar a qualidade das estatísticas e, consequentemente, as políticas públicas.

Conforme Luiza, a comunicação de casos suspeitos não significa mais riscos à vítima.

"Apenas estaria mostrando números. Ninguém vai publicar nome, RG ou endereço da vítima nem processar o suposto agressor", afirma. 

Ninguém vai publicar nome, RG ou endereço da vítima nem processar o suposto agressor

Luiza Nagib Eluf, advogada criminalista e ex-procuradora

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Efeitos

Já a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Gevid), do Ministério Público de São Paulo (MPE-SP), afirma que "neste momento, o veto foi positivo". Para ela, antes de tornar obrigatória a notificação, é necessário debater melhor os possíveis efeitos colaterais.

"Há preocupação grande de que as mulheres acabem não procurando mais o sistema de saúde, com medo de que isso vá parar na delegacia", afirma.

Para ela, a lei não dava garantia de sigilo à vítima.

Há preocupação grande de que as mulheres acabem não procurando mais o sistema de saúde, com medo de que isso vá parar na delegacia

Silvia Chakian, promotora

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