‘Brasil escolheu a barbárie como política de segurança pública’, diz professor

Rafael Alcadipani, da FGV e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que plataforma da campanha de 2018 pode piorar indicadores de criminalidade caso seja seguida

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Por Túlio Kruse
Atualização:

O lema “bandido bom é bandido morto”, quando aplicado à política de administração das cadeias, pode resultar no fortalecimento de facções criminosas dentro e fora dos presídios. Dois dias após o massacre que deixou 58 mortos em um presídio em Altamira, no Pará, é esse o alerta que faz o professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que estuda o crime organizado e é membro pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Alcadipani explica a lógica de “deixar os bandidos se matarem” leva a uma espécia de “autorregulação” que favorece os grupos mais fortes: com os rivais mortos, eles ficam livres para assumir o tráfico regional, passam a ganhar mais dinheiro, e se tornam um problema mais difícil de ser enfrentado pelas autoridades.

Parente de prisioneiro morto em massacre de presídio em Altamira, no Pará, espera por cerimônia de velório Foto: Bruno Kelly/Reuters

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Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o massacre em Altamira, no Pará, se conecta com os outros confrontos em presídios no País, que ocorrem desde 2017? E por quê episódios como esse continuam acontecendo?

Por um lado, o que está em jogo é conseguir controlar a rota de drogas do Norte do País. Por outro, temos governos que consistentemente, independentemente da matiz ideológica, estão negligenciando a questão carcerária. Não há cuidados específicos para capacitar os Estados para melhorarem as suas cadeias. 

Criaram-se os presídios de segurança máxima no governo federal, que são ótimos, são referência, mas não temos nenhum programa mais estruturado para a melhoria dos presídios nos Estados. 

Na minha opinião, temos uma nova faceta desse problema, que está se desdobrando agora. Começa com a rebelião anterior (em Manaus), e com essa agora temos mais 58 mortos, sendo que 16 foram decapitados. E o cenário é um governo federal que foi eleito com a plataforma de que ‘tem de matar bandido mesmo’. 

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A declaração do presidente da República é uma expressão nítida desse governo, e demonstra que não há o menor interesse em resolver a questão prisional ou investir de forma lógica, inteligente, racional e fazer uma gestão profissional das cadeias.

Se as mortes ocorrem nos presídios, entre os presos, por que é importante desarticular essas facções criminosas?

Essas facções criminosas dominam áreas inteiras do território nacional. Dominam áreas da metrópole do Rio de Janeiro, dominam áreas de imensas periferias no Estado de São Paulo, no Norte e no Nordeste do Brasil. Com dinheiro e poder, essas facções criminosas possibilitam que ações como aquela que aconteceu no Aeroporto de Guarulhos (o roubo de 720 quilos de ouro) continuem, possibilitam ações como a explosão de caixas eletrônicos, troca de tiros em plena luz do dia. As facções criminosas corrompem agentes do Estado, elas são uma erva daninha na sociedade.

E quando há um briga de facção, sempre há uma que sai vencedora. Essa facção vencedora assume o tráfico de drogas dentro e fora do presídio. Com isso, ela fica mais poderosa e, com isso, vai continuar cometendo seus crimes. Esse é o interesse deles se matarem.

O que a morte de quatro presos enquanto eram transferidos para outros presídios diz sobre a questão carcerária no País?

O que a gente percebe é, mais uma vez, que o Estado demonstra uma completa incapacidade de administrar a questão prisional no Brasil. Não é à toa que acontecem situações como essas. 

Que cuidados poderiam ter sido tomados nesse caso?

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Quando você está levando esse tipo de criminoso, teria de estar, no mínimo, com uma escolta adequada. Se isso aconteceu, é porque houve falha na escolta. 

A partir da eclosão desses massacres em 2017, qual seria o caminho lógico a se tomar para lidar com esse problema?

Precisamos de um plano nacional de reestruturação do sistema carcerário brasileiro, de mutirões para julgar o mais rapidamente possível os presos provisórios, para liberar essa superlotação. Precisamos de uma lei de drogas que leve em conta a realidade de 2019 e precisamos ter um sufocamento financeiro efetivo das facções criminosas. Isso tudo é muito prematura no Brasil.

Qual o prognóstico? Se nada mudar na política de segurança e carcerária, o que vai acontecer no médio prazo?

Me parece que estamos caminhando num cenário de ‘mexicanização’ ou ‘colombização’ do Brasil. O País tende, no meu ponto de vista temos, a ficar cada vez mais com o domínio das facções criminosas, com uma forte presença delas nas estruturas do Estado. Hoje as influenciam decisões judiciais, a política, têm presença em altos níveis de governo. A tendência, no médio prazo, é o Brasil se transformar em um 'narcoestado'.

Nós não temos um combate efetivo a essas facções e temos um governo, agora, que não acredita na lógica e na racionalidade para resolver esse problema. Ele acha que, com os criminosos se matando, vai resolver. Quanto mais disputas tivermos, como essa do Pará, mais gasolina estaremos jogando no problema da segurança pública brasileira. Isso vai gerar mais problemas, se torna um círculo vicioso que não acaba.

O Brasil escolheu a barbárie como política de segurança pública, e isso não vai dar certo – temos falado isso faz tempo. Temos de esperar, agora, que a realidade mostre às pessoas que não é assim que se resolve o problema. Se resolve com profissionalismo, investimento em inteligência e capacitação dos policiais.

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