Brasileiras vão aos EUA para ter bebê e garantir cidadania americana aos filhos

Pacote oferecido por agência em Miami inclui gastos com parto e acompanhamento médico; casal tirou cerca de R$ 100 mil das economias para pagar serviço e possibilitar que, no futuro, filho estude e trabalhe legalmente no país

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Por Fernanda Bassette
4 min de leitura

SÃO PAULO - Mulheres brasileiras têm viajado até os Estados Unidos para ter bebê em solo americano e, consequentemente, garantir que a criança adquira a cidadania americana. Pela legislação local, qualquer um que nasça lá recebe a cidadania automaticamente, com todos os direitos e deveres. 

Foto: Hélvio Romero/ Estadão Foto:

A assistente administrativa Alessandra Cristina da Silva, de 36 anos, e o representante comercial Rodrigo dos Santos, de 35 anos, tiveram o primeiro filho, Thomas, em Miami. Ela conta que nunca soube da possibilidade até engravidar e ler sobre como fazer o enxoval do bebê nos EUA. Na pesquisa, soube da existência do serviço oferecido pela agência Ser Mamãe em Miami, primeira agência americana estruturada especificamente para atender gestantes brasileiras e latinas que queiram ganhar o bebê na América do Norte.

“Convencer o marido a topar foi a parte mais difícil”, brinca Alessandra, que diz que o marido tinha ressalvas em ter o primeiro filho fora do País por estar longe da família e não dominar completamente a língua.

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A gestação foi avançando e Alessandra amadureceu a ideia, mesmo sem total apoio da família. Ela tinha em mente ter o filho em Miami para que ele possa, no futuro, estudar e trabalhar legalmente nos EUA. “Todo mundo achava que estava louca, ainda mais por ser o primeiro filho. E se algo desse errado?”

O casal raspou as economias e decidiu investir cerca de R$ 100 mil (entre custos médicos, de bilhetes aéreos e de hospedagem) no sonho. Alessandra, viajou com 32 semanas de gestação acompanhada da mãe, enquanto o marido ficou trabalhando. Thomas nasceu em 10 de julho, de parto normal. Ela voltou com o filho para o Brasil em 19 de agosto. “Com certeza, se eu tiver um segundo filho, voltarei para os EUA.”

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Segundo a Embaixada Americana no Brasil, a Lei de Imigração e Nacionalidade dos EUA não contém qualquer inelegibilidade para gravidez ou intenção de ter bebê nos EUA. 

No caso do “turismo do nascimento”, a exigência é que todo solicitante de visto deve demonstrar ao agente consular que não pretende usar o visto de visitante para ficar indefinidamente no país. Também deve comprovar que tem dinheiro e intenção de pagar os custos da viagem, incluindo médicos. Não há dado oficial de brasileiras que vão aos EUA para isso. 

Em alta. Em 2015, a agência atendeu 13 casos desse tipo. Até setembro deste ano, 122. E já há casos agendados para 2018. O aumento da procura ocorreu após a atriz e apresentadora Karina Bacchi, de 41 anos, ter anunciado nas redes sociais, no meio do ano, que iria ter o seu primeiro filho, fruto de uma produção independente, nos Estados Unidos, por causa da cidadania.

“Antes recebíamos cerca de dez e-mails por semana pedindo informações. Depois da Karina, passamos a receber mais de 50”, informou a Ser Mamãe em Miami. O serviço foi idealizado em 2015 pelo pediatra brasileiro Wladimir Lorentz, que vive nos EUA há 30 anos, em parceria com dois médicos obstetras (um colombiano e um equatoriano) após perceber a demanda de turistas russas em outras clínicas. “Pensei: por que não oferecer o mesmo a brasileiras e latinas que gostam tanto de Miami?”, conta ele, que dá palestras para divulgar a agência.

Além do parto (é possível escolher entre natural ou cesárea) e dos custos de duas diárias de internação em dois possíveis hospitais de Miami, o pacote inclui atendimento personalizado no fim do pré-natal, visitas domiciliares do pediatra nos primeiros dias de vida do bebê e as vacinas de dois meses.

DUPLA CIDADANIA

Apesar de muita gente não imaginar, toda pessoa que nasce em solo americano automaticamente recebe a cidadania americana, assim como todo bebê que nascer no Canadá, receberá a cidadania canadense. O mesmo não acontece em outros países como, por exemplo, Alemanha, Inglaterra, Itália e França, quando a cidadania só será automática se um dos pais for cidadão. É possível requerer a cidadania após um período, segundo regras de cada País.

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“As pessoas que vão ter bebê nos Estados Unidos nem sempre querem morar lá, elas querem dar à criança a possibilidade de ter dois passaportes e ser cidadã americana, com todos os direitos e garantias. Não há nada na lei que vete essa questão e não é preciso ter residência fixa nos EUA. A pessoa precisa basicamente ter passaporte e visto válido para entrar no País”, afirma Daniel Toledo, advogado especializado em direito de imigração.

George Niaradi, presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil, regional São Paulo (OAB-SP), confirma que não há ilegalidade em ter o bebê nos EUA e reforça que a mulher não deve sentir nenhum constrangimento se for questionada sobre o assunto na imigração. 

Como não há um visto específico para esse tipo de serviço, em geral, as famílias viajam com visto de turista. Niaradi ressalta, entretanto, que em qualquer hipótese, mesmo sendo por conta de um tratamento médico, o ingresso no País pode ser barrado pelo agente de imigração. “Ele tem total autonomia de barrar a pessoa se suspeitar de algo. Por exemplo: se a mulher disser que está viajando a passeio, quando na verdade vai ganhar bebê. O agente pode entender que há uma fraude nessa informação”, alerta. Grávida de 7 meses, a funcionária pública federal Claudia Akemi Yassutani, de 40 anos, passou por um susto no final do mês passado quando viajou aos Estados Unidos apenas para fazer o enxoval do filho, César. Durante a imigração, foi questionada sobre as razões da viagem e, mesmo afirmando que iria apenas fazer compras, o agente suspeitou e a encaminhou para a sala reservada. Lá, foi amplamente questionada por outros três agentes se estava viajando para ganhar o bebê lá. 

“Não deixaram meu marido entrar, perguntaram de quantos meses eu estava, quantos dólares eu estava levando, se eu pretendia ter o bebê lá, se eu já tinha a passagem de volta, onde eu ia me hospedar. Repetiram a mesma pergunta várias vezes, talvez para ver se eu cairia em contradição”, conta ela, que foi liberada a entrar no País por um prazo reduzido por 4 semanas, em vez dos tradicionais 6 meses. “Se tiver outro filho, certamente não farei mais o enxoval lá”, afirmou.

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