PUBLICIDADE

Busca por líder comunitário mobiliza amigos e 'discípulos' no Guarujá

Rafael Rodrigues é um dos criadores de um projeto de capoeira, dança folclórica e percussão, além de militante do movimento negro na Baixada Santista; 'um Zumbi da modernidade', descreve um amigo

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

GUARUJÁ - Nos trabalhos de resgate do Morro do Macaco Molhado, no Guarujá, chama a atenção a presença de jovens na casa dos 20 anos. Grande parte deles está ali a procura daquele que se referem como "padrinho", "irmão" ou "mestre", com quem aprenderam sobre a capoeira, a cultura afrobrasileira e a vida: o líder comunitário Rafael Rodrigues, de 33 anos, um dos desaparecidos do temporal que atingiu a Baixada Santista na madrugada de terça-feira, 3. 

Rafael estava preocupado com os efeitos da chuva desde a noite de segunda-feira, 2. Naquele dia, às 23h59, fez a última postagem em uma rede social, na qual alertava sobre a situação, e saiu de casa em plena madrugada para ajudar no resgate de vítimas em uma encosta do bairro vizinho, no Morro do Macaco Molhado, também chamado de Morro Bela Vista. 

Moradores ajudam bombeiros nnas buscas por desaparecidos Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

PUBLICIDADE

Lá, por volta da 1h30 de terça-feira, 3, ajudava no resgate de moradores quando foi atingido por um segundo deslizamento junto de outro voluntário, também chamado Rafael, e de dois bombeiros, os cabos Moraes e Batalha. Com exceção de Moraes, os demais seguem desaparecidos, soterrados debaixo da lama vermelha e de entulho. Após serem paralisadas à noite, as buscas retomaram na manhã desta terça-feira.

Rafael se tornou o mestre de outros tantos meninos e meninas ainda adolescente, quando começou a dar aulas de capoeira em um abrigo e na rua há mais de 20 anos. O projeto cresceu no decorrer do tempo e mudou de nome algumas vezes até se tornar a Associação Cultural Afroketu, de capoeira, percussão e danças afrobrasileiras, e que atende hoje mais de 100 crianças e adolescentes.

"Ele é um pai pra todo mundo, um amigo, um irmão. Dá conselho, briga quando precisa, faz tudo", descreve mestre Sandro, de 41 anos, outra liderança do Afroketu. "Veio (gente do projeto para o resgate) porque ele sempre se doou para todo mundo, independentemente de qualquer coisa, nunca deixou ninguém na mão."

Hoje professor do Afroketu, Daniel de Moura, de 28 anos, começou como aluno do projeto há 12 anos. "Aqui, a maioria do povo conhece ele. Todo mundo conhece o projeto", comenta.

"(A associação) É uma família, um pelo outro até hoje. O Rafael é um pai para todo mundo, puxa orelha, não está nem aí, fala o que tem que falar, incentiva, nunca deixa ninguém na mão", descreve. "Por isso, todo mundo veio, ele é como um pai, um irmão mais velho."

Publicidade

Produtor cultural, Rafael tem filhos e está no último ano da graduação em Direito. É assessor de Políticas Públicas Para a Juventude na Prefeitura do Guarujá há três anos, ex-presidente do Conselho da Comunidade Negra do Guarujá e integrante do Fórum Metropolitano de Juventude Negra da Baixada Santista.

"Esse é um daqueles dias que nos marcará como um punhal", chegou a comentar a professora Roseli Alexandre, de 54 anos. "É uma perda muito grande."

Ela acompanha o trabalho Rafael desde a adolescência e conta como ele mudou a vida de alunos. "A partir do projeto, da dança, da capoeira, passam a ter uma visão maior do mundo", explica. "Todo dia, passava 21, 22 horas, na frente da sede do projeto e via aquela gente todo envolvida. Agora nem imagino como vai ser a continuidade."

"É um trabalho muito relevante para a comunidade. Esse projeto atendeu muitas crianças que poderiam ser desencaminhadas", diz. "Está fazendo Direito. Encontrei ele na última semana e estava feliz. É até curioso que estava empolgado com os subsídios, os conhecimentos que ganhava, em como isso poderia ajudar mais a comunidade."

Morro do Macaco Molhado, no Guarujá, foi um dos locais mais afetados pela forte chuva Foto: WERTHER SANTANA/ESTADAO

PUBLICIDADE

Roseli conta que Rafael é uma pessoa séria, até sisuda à primeira vista, ainda mais por ser muito forte. "Ele vai se abrindo a medida que se aproxima de você. É muito bom, extremamente atencioso, solícito, está sempre ali, estendendo a mão, sempre muito carinhoso. Tem uma alma imensa."

A professora descreve que Rafael, seguidor do candomblé, é como o orixá Xangô, por "querer fazer justiça". "(Na chuva) Ele abriu mão de ficar com a família para atender quem estava com mais necessidade."

Também professor, Luiz Alexandre, de 60 anos, ressalta que Rafael tem uma atuação que vai além do Guarujá, envolvendo-se em projetos em outras cidades da Baixada Santista e do Estado. "Estou com um amigo de Joinville que só está chorando pelo Rafael."

Publicidade

O professor ressalta que o capoeirista tem grande conhecimento de cantigas e histórias afrobrasileiras. "É muito triste que (se não tiver sobrevivido) não deixou um livro escrito. Poucos conhecem o makulelê (dança folclórica) como ele."

"Ele é um verdadeiro Zumbi da modernidade, ele nos dignifica, nos representa. Um cara que não espera acontecer, que está lá e faz."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.