Busólogos, os loucos por ônibus

Eles passam horas em terminais rodoviários e nas ruas, até mesmo no Natal, em busca de raridades sobre rodas

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Por Rodrigo Brancatelli
Atualização:

É tipo um RRRRRRRRRRRR forte assim, contínuo, alto. Nada dos rrrrrrrrrrrrrrrrrrrr minúsculos e sem graça que se ouvem por aí, segundo ensina o auxiliar de administração Marcos Paulo da Silva, de 21 anos, com suas onomatopeias um tanto difíceis de entender. "O barulho do motor entrega quase tudo, é como se fosse a respiração do ônibus. Dá também para saber a história do ônibus pela carroceria, pelos faróis, pelas rodas, pelo para-choque. É incrível. A gente vê beleza em coisas que, para a imensa maioria das pessoas, não passam de uma obrigação, um suplício diário." Com seus barulhinhos esganiçados de motor e jeito um tanto encabulado de explicar as paixões, Marcos Paulo da Silva é presidente da Associação Paulista de Busólogos, um grupo que sabe todas as variações dos "RRRRRRR" de São Paulo. Enquanto algumas pessoas idolatram Ferraris, Maseratis, Mitsubishis e Lamborghinis, os busólogos babam mesmo é por marcas como Busscar, Marcopolo, Caio Induscar e Comil Ônibus. "Sim, gostamos mesmo de ônibus, mas não pergunte o porquê", resume Humberto Linhares, de 28 anos, que mantém um blog com 182 fotos de coletivos diferentes da cidade. "Até achei que eu fosse louco, mas, quando vi que várias pessoas também são assim, pelo menos fiquei mais tranquilo." Sem sequer existir nos dicionários, os busólogos paulistanos são aqueles que, por puro hobby, acompanham absolutamente tudo que se refere aos 14.759 coletivos que transportam 78,3 milhões de passageiros por ano apenas na cidade de São Paulo. Eles adoram fotografar os veículos, frequentam rodoviárias e acumulam horas e horas dentro de veículos lotados de gente. Não só conseguem adivinhar o modelo do ônibus apenas ouvindo o barulho do motor, como também sabem as especificações de cada coletivo e quais modelos operam em quais linhas. Os busólogos ainda estudam a evolução histórica da utilização do ônibus no transporte público e colecionam informações sobre os vários modelos que existem desde o século 18 na Europa - o nome do veículo vem de omnibus, que em latim significa "para todos". Somando os grupos de discussão na internet e os blog de associações, dá para estimar que existam pelo menos 20 mil busólogos pelo País. Em São Paulo, esse número de fanáticos chega a 5 mil. Esses em especial podem recitar de cor, por exemplo, que o serviço de bondes elétricos em São Paulo começou exatamente no dia 7 de maio de 1900, com a linha São Bento-Barra Funda (os bondes com tração animal circularam na capital paulista de 1872 a 1907). Também sabem que os ônibus começaram a tomar conta da paisagem paulistana a partir de 1926 e até hoje mais de 5 mil modelos já andaram pelas ruas. "São Paulo teve até double decker em 1987, aqueles veículos de dois andares idênticos aos de Londres. Mas não pegou porque eram muito altos e as vias não comportavam", ensina Marcos. "Atualmente há inúmeros modelos rodando, mas é só prestar atenção para descobrir os detalhes. Tipo, se você vê a inscrição 17230 na lateral sob a porta do ônibus, dá para saber que o ônibus suporta 17 toneladas e tem potência de 230 cavalos. A gente vai aprendendo esses macetes." A paixão de Marcos por ônibus começou ainda quando criança, aos 3 anos, quando fez uma viagem (de ônibus, claro) com a mãe para o Nordeste. A partir daí, passou a ter quase uma fixação por aqueles veículos gigantes, colecionando recortes de jornal, revistas, miniaturas e muitas, mas muitas viagens dentro de coletivos. Em julho do ano passado, depois de perceber que na internet havia centenas de busólogos como ele, resolveu montar a Associação Paulista de Busólogos, que conta hoje com 54 sócios. "Tem gente que acha que ônibus é tudo igual, mas há inúmeras diferenças", conta. "A gente tenta fotografar todos os ônibus que encontramos por aí e depois nos reunimos para contar as histórias e analisar os coletivos. A parte ruim é que a gente sofre muito preconceito, as pessoas realmente acham estranho." Busólogo adora feriado, mas não pelos mesmos motivos do restante da população. São nessas datas - em especial no Natal, ensinam - que as empresas de transporte experimentam um grande aumento da demanda de passageiros. E isso significa que diversos ônibus extras são colocados nas ruas para atender o movimento. "Dá para encontrar várias raridades, até ônibus estrangeiros", conta Marcos. "Eu já fiquei dez horas no Terminal do Tietê num feriado de carnaval vendo os ônibus partirem e tirando fotos", completa Humberto Linhares. "Sabe quando você é pequeno, coleciona figurinhas e aí consegue achar no pacotinho aquela figurinha rara que faltava? Então, é igualzinho hoje quando vejo um ônibus diferente." AMOR Os busólogos ainda têm seus ônibus preferidos pela cidade. Marcos, por exemplo, adora os biarticulados de 27 metros de extensão que andam em alguns corredores da zona sul. "São os maiores do mundo! A China está tentando fazer um projeto maior, mas ainda não conseguiu", diz ele, que, aliás, ainda não pensa em comprar um carro para se livrar do transporte coletivo. "Não, não, carro ainda não. Até tem vários busólogos que possuem carro, mas a maioria gosta de andar de ônibus. Isso sim é prova de amor." DATAS E NÚMEROS Agosto de 1865 foi quando começou o primeiro sistema regular de transportes públicos na cidade, com o serviço de aluguel de tílburis (carros de duas rodas puxados por um cavalo) no Largo da Sé. A operação dos bondes com tração animal começou em 1872 Março de 1968 marcou o fim dos bondes. Na estação da Vila Mariana, uma comitiva de 12 bondes elétricos participou da "Cerimônia do Adeus" e seguiu até o ponto final no Largo 13 de Maio, em Santo Amaro 50 ônibus Yellow Coach são importados da Europa em 1926 pela São Paulo Tramway Light and Power Company Limited para operar em linhas circulares na capital 14.759 coletivos operam hoje nas ruas da cidade 78,3 milhões/ano de passageiros são transportados

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