Carro roubado é usado pela Polícia Militar em SP

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O comerciante Carlos Eduardo de Souza Tomé teve sua perua Santana Quantum furtada em 1996. Nunca mais a viu. O destino do carro não foi um desmanche nem o Paraguai. O veículo levado por ladrões transformou-se num carro da Polícia Militar de São Paulo. Com o número do chassi adulterado, foi pintado de cinza, cor usada pela polícia, e recebeu rádio, sirene e uma identificação: "viatura M-10290", substituindo uma Quantum da PM que tinha sofrido um acidente. Durante cinco anos, o veículo serviu ao capitão comandante da 2.ª Companhia do 10.º Batalhão e ao serviço reservado da unidade. Ninguém, nesse tempo, percebeu que o veículo batido, uma Quantum CL 1988, voltara da oficina como GLS, com ar-condicionado, vidros elétricos e direção hidráulica, itens que o carro comprado pela corporação não tinha. "Antes de voltar da oficina, o carro passou por vistoria na sede do batalhão. Ninguém ia desconfiar que era produto de crime", disse o capitão Edson de Jesus Sardano, então comandante da 2.ª Companhia e hoje secretário da Segurança de Santo André. Isso foi descoberto pelo comando do batalhão em setembro de 2001 - Sardano não estava mais na companhia. Mesmo assim, o dono do carro não foi avisado de que a Quantum havia sido encontrada com a polícia. Isso só ocorreu hoje, quando o comerciante foi localizado pela reportagem. O carro não foi nem mesmo entregue à Polícia Civil, que deveria apreendê-lo. A ordem para que isso fosse feito estava no ofício do coronel Luciano Antonio da Silva, comandante da PM no ABC. Turbo - A história do carro furtado transformado em veículo da PM começa em 17 de agosto de 1996. Naquele dia, a Quantum que funcionava como "viatura M-10290" se envolveu num acidente de trânsito no qual morreu "o civil Marcelo Gomes da Cruz". O motor da Quantum havia recebido um turbo antes do acidente e, temendo a repercussão disso na imprensa, os policiais resolveram levá-la a uma oficina. Consertar carros oficiais em oficinas particulares é praxe na polícia. Muitos donos de oficinas são amigos de policiais e fazem preços camaradas. O que se segue é a explicação dos policiais da 2.ª Companhia para o fato de a Quantum oficial ter desaparecido, sendo trocada por uma furtada. O sargento Oseias Francisco de Barros disse que apenas indicou a oficina de um amigo, Jadir Eugênio, para que o conserto fosse realizado. Eugênio afirmou que recebeu o carro levado pelo sargento Sérgio Zagorac e pelo soldado Luiz Carlos Tenório Cavalcante, que trouxeram ainda peças de reposição e tinta. O mecânico contou ter ficado com o carro uma semana em sua oficina, quando apareceu o único policial que, segundo todos dizem, pode explicar o mistério: o soldado José Flávio Manchini. Com um guincho, ele retirou o carro e levou-o para outra oficina junto com as peças e a tinta. Ninguém sabe para onde Manchini a levou e não há como saber, pois o soldado morreu em outubro de 2000. Os reparos foram realizados, segundo o tenente Dauri Benedito da Cruz, "a título de cortesia". De volta da oficina, o carro passou, conforme o regulamento, por vistoria que "visa avaliar as cores padronizadas, os sistemas de iluminação, alinhamento, parte mecânica, tapeçaria e prefixo dentro dos padrões". Tudo conferido, o veículo ficou à disposição do comandante da companhia de 25 de feveiro de 1997 até julho de 1998, quando passou a ser usado pelo serviço reservado. Em abril de 2000, o tenente Eduardo Carlos Farias dos Santos desconfiou dos equipamentos extras do carro e o enviou a nova vistoria, na qual ficou constatado que as alterações não haviam sido registradas. O carro foi mandado ao Instituto de Criminalística, que descobriu a adulteração do chassi. Os peritos encontraram ainda a numeração verdadeira, o que permitiu saber que o veículo foi furtado em 2 de dezembro de 1996, no Parque da Mooca, zona leste de São Paulo. Sindicância - O comando do 10.º Batalhão instaurou sindicância sobre o caso, concluída em julho, apontando trangressões cometidas por um soldado, dois sargentos, dois tenentes e três capitães. Um inquérito foi aberto, mas foi concluído sem que nem mesmo o comerciante Tomé fosse ouvido. O comadante do ABC não acolheu a solução da sindicância e mandou anular parte da apuração por ter sido conduzida por um tenente, Como há, em tese, capitães envolvidos no caso, no mínimo, um major deveria presidir a apuração. O coronel Silva mandou apurar responsabilidades para saber quem deve ressarcir o erário - em R$ 8.612,00 - pela perda do verdadeiro carro M-10290. Enquanto isso, o comerciante continuava sem nada saber.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.