Casa-navio de Tom Jobim não existe mais

Outra construção foi erguida no endereço do maestro nos anos 60/70

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

Era uma casa alegre, musical, mágica, até. É com saudade que os antigos frequentadores se lembram do endereço de Tom Jobim entre as décadas de 60 e 70: Rua Codajás, 108, Leblon. À época pouso certo de músicos e poetas amigos de Tom (e também de seu filho mais velho, Paulo), como Vinicius de Moraes, Dorival e Danilo Caymmi, Marcos Valle e Geraldo Carneiro, a residência foi demolida e deu lugar a uma nova, onde hoje vive a família de um empresário. Já faz três anos, pelo menos, conforme calcula um empregado. Mas a notícia de que a casa em formato de navio, confortável, mas não luxuosa, foi abaixo surpreendeu - e abalou - Danilo e Carneiro. Danilo é coautor de Codajás, gravada pela irmã, Nana, em 1976. A letra, de Ronaldo Bastos, homenageia a casa: "Codajás, coisa pequena/ Coração, pele morena/ Tombo do navio/ Por onde anda o coração/ Desafinado e bom/ Codajás, coisa pequena/ Tombo do navio/ Tudo que mandar/ O coração desafinar, Leblon." "É muito triste saber disso. Eu tinha 20 e poucos anos e vivia lá bebendo o uísque do Tom, porque era muito amigo do Paulinho", diz Danilo. "Aquele era um reduto de felicidade", emenda Carneiro. Eles se recordam da maravilha de desfrutar da intimidade de um mestre, generoso e gregário, que gostava do convívio em torno de seu piano e sentia prazer ao apresentar as novas criações a quem estivesse por ali. Foi assim com Chovendo na Roseira, conta Carneiro. "A música veio primeiro. Na hora de escrever a letra, ele ia colocando os nomes de quem passava pela sala." Ficou assim: "Olha, está chovendo na roseira/ Que só dá rosa mas não cheira/ A frescura das gotas úmidas/ Que é de Luisa/ Que é de Paulinho/ Que é de João/ Que é de ninguém." Os novos moradores da casa da Rua Codajás não deram entrevista. Não se sabe se conhecem a história do imóvel posto abaixo. O mesmo destino teve a casa na qual a mãe de Tom o pariu, na movimentada Rua Conde Bonfim, na Tijuca (zona norte). O terreno está vazio há mais de 20 anos, quando foi comprado pelo Metrô. Lá, não há menção de que, a 25 de janeiro de 1927, numa noite de chuva, nascia Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o compositor, poeta, pianista e arranjador, um dos pais da bossa nova. Tom foi com 4 anos para Ipanema, então pouco habitada. Adulto, teria alguns endereços em Copacabana e no bairro ao qual é sempre associado. Dois, marcantes: o número 307 da Rua Redentor, casa em que, na virada dos anos 50, viveu com os pais e com Thereza Hermanny, a primeira mulher - hoje um prédio -, e o apartamento 201 da Nascimento Silva, 107, para onde foi em 1953. Este se fez famoso com a Carta ao Tom 74 (Vinicius/Toquinho). Ali ele escreveu com Vinicius as canções do musical Orfeu da Conceição (1956), além de Chega de Saudade. Também lá, compôs, com Newton Mendonça, os clássicos Desafinado e Samba de uma Nota Só. Morar no prédio se tornou motivo de orgulho para os vizinhos. No Jardim Botânico, onde tinha contato diário com a natureza que adorava, foram duas casas, ambas de pé. Uma na Rua Peri, alugada por ele por seis anos, e outra na Sara Vilela, na qual morou até morrer, em 1994 (em Nova York). Da última, construída do jeito que sonhava, com vista para a Lagoa e junto à mata atlântica, o músico Jaques Morelenbaum e sua mulher, a cantora Paula Morelenbaum, têm lembranças as mais doces. "Ensaiávamos, Tom contava piadas, causos. Depois que ele morreu, a casa, que era pura música e que tinha o cheiro do charuto dele, ficou muito triste", diz Paula. A música voltou em 2001, quando o casal e o pianista japonês Ryuichi Sakamoto lá gravaram o CD Casa, com repertório de Tom.

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