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Casamentos gays aumentam 61% em um ano; eleição de Bolsonaro pode ter contribuído

No geral, houve redução de 1,6% no número de casamentos, aponta pesquisa do IBGE; especialista diz que casais de pessoas do mesmo sexo anteciparam a união em 2018

Foto do author Roberta Jansen
Por Roberta Jansen e Thiago Lasco
Atualização:

RIO E SÃO PAULO - O advogado Roberto Oliveira e o dentista Paulo Trajano estão juntos há sete anos e meio; há quatro, vivem juntos em Ituverava, no interior de São Paulo. A ideia inicial dos dois era se casar somente em 2020. Mas, quando o cenário eleitoral de 2018 passou a desenhar a vitória do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, eles se sentiram forçados a antecipar os planos. 

O advogado Roberto Oliveira e o dentista Paulo Trajano (de óculos) adiantaram a celebração do seu casamento, temendo a perda de direitos civis após o início do governo Bolsonaro Foto: Thiago Miragaia

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O casamento entre Trajano e Oliveira foi um dos 9.520 registrados no ano passado entre pessoas do mesmo sexo. Em termos absolutos, a quantidade não é muito alta, mas representa um crescimento significativo de 61,7% em apenas um ano - em 2017, foram 5.887. Os números fazem parte das Estatísticas de Registro Civil 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgadas na manhã desta quarta-feira, 4.

Na análise de especialistas, o aumento considerável pode ter acontecido porque, no ano passado, muitos casais gays anteciparam o casamento. Temiam alguma medida contrária a seus direitos civis por causa da eleição de Bolsonaro. Apesar dos receios, não houve, até então, nenhuma medida no sentido de restringir as uniões homoafetivas por parte do governo federal. Procurado sobre a ligação entre casamento gay e a eleição de Bolsonaro, o Palácio do Planalto não se manifestou até as 18 horas. 

Segundo o levantamento, a tendência de aumento se repetiu em todas as regiões do País. No Nordeste, o porcentual chegou a 85%. "Em 2018, houve aumento muito grande em relação ao ano anterior", afirmou a gerente da pesquisa, Klívia Brayner de Oliveira, analista do IBGE. "A gente ficou até meio assustado, pediu para conferir o número, mas foi isso mesmo, um aumento bem expressivo em termos relativos."

De acordo com a gerente da pesquisa, o temor de um retrocesso nos direitos civis dos homossexuais pode explicar o aumento. "Sempre que tem uma lei nova, um novo evento, isso se reflete no ano seguinte nas estatísticas", disse.

A gente ficou até meio assustado, pediu para conferir o número, mas foi isso mesmo, um aumento bem expressivo em termos relativos

Klívia Brayner de Oliveira, analista do IBGE

Analisando o número de registros mês a mês, é possível observar que a alta ocorreu especialmente no fim do ano. Em janeiro de 2018, por exemplo, o número de uniões entre mulheres foi de 293 e, entre homens, de 196. Os números vão aumentando, gradualmente, até dezembro, quando apresentam um salto bastante expressivo depois da eleição de Bolsonaro, em outubro.

Entre os homens, os registros de outubro somam 268, chegam a 415 em novembro e saltam para 1.172 em dezembro. O mesmo ocorre entre as mulheres. São 409 em outubro, 554 em novembro e 1.886 em dezembro.

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As mulheres gays puxaram a tendência de alta nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo em 2018, com um aumento de 64,2%. Entre os homens homossexuais, o aumento foi um pouco menor, de 58,3%. A idade média nesses casos foi de 34 anos para os homens e 33 anos para as mulheres.

Maria Berenice Dias, vice-diretora do Instituto Brasileiro de Direito da Família, disse que o resultado da pesquisa era esperado. No ano passado, quando estava à frente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ela chegou a aconselhar os casais homossexuais a buscarem a legalização da união.

"Apesar das críticas que recebi na época, me senti no dever de fazer esse alerta", afirmou. "O presidente em nenhum momento escondeu sua homofobia ou a recusa em reconhecer como família qualquer estrutura diferente da convencional."

A especialista em direito da família lembrou que os gays batalharam por esse direito por mais de 20 anos e que, afinal, ele foi conseguido por meio de uma resolução da Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2013, que impede os cartórios de se recusarem a habilitar, a celebrar casamentos civis e converter uniões estáveis homoafetivas em casamento civil. 

Uma medida provisória do novo governo contrária à decisão teria força de lei e poderia se impor à resolução do CNJ.

"Como não existe lei, a decisão acaba sendo suscetível a uma canetada", disse. "As pessoas querem consolidar esse direito, o que falta agora é uma lei."

O presidente em nenhum momento escondeu sua homofobia ou a recusa em reconhecer como família qualquer estrutura diferente da convencional

Maria Berenice Dias, vice-diretora do Instituto Brasileiro de Direito da Família

Festa às pressas

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Com temor após a eleição de Bolsonaro, Oliveira e Trajano decidiram antecipar a cerimônia de casamento. "O que permite a conversão das uniões estáveis homoafetivas em casamentos é apenas uma resolução do CNJ, sem força de lei. O presidente poderia derrubá-la", explicou Oliveira. "Por isso, no início de dezembro de 2018, procuramos um cartório em Belo Horizonte para formalizar nosso casamento. O direito adquirido, ninguém tira. Fizemos as proclamas e, depois do prazo (de 40 dias, em que alguém poderia impugnar a união), estávamos casados. Foi fácil e rápido", conta.

O advogado Roberto Oliveira e o dentista Paulo Trajano (de óculos) adiantaram a celebração do seu casamento, temendo a perda de direitos civis após o início do governo Bolsonaro Foto: Thiago Miragaia

Com a pressa, a festa de casamento que havia sido idealizada por tanto tempo teve de ser substituída por algo mais simples, um jantar para 50 pessoas.

"Não foi do jeito que a gente queria. Isso acabou com toda uma programação que a gente tinha. Ele (Bolsonaro) abortou o sonho de muita gente", lamentou o advogado.

Não foi do jeito que a gente queria. Isso acabou com toda uma programação que a gente tinha. Ele (Bolsonaro) abortou o sonho de muita gente

Roberto Oliveira, advogado

Menos casamentos no geral

De uma maneira geral, no entanto, a tendência é um pouco diferente. As pessoas estão casando menos e adiando cada vez mais a data do enlace. No ano passado, foram registrados, no Brasil,1.053.467 casamentos, o que representa uma redução de 1,6% em relação ao ano anterior.

A idade média dos cônjuges no momento da união é de 30 anos para os homens e 28 para as mulheres. A tendência se repete de forma homogênea em todas as regiões do Brasil, com as idades médias variando ligeiramente de 30 a 32 entres os homens e de 27 a 29 entre as mulheres.

"Esses números corroboram a questão da transição demográfica", sustentou Klívia. "A primeira transição demográfica ocorreu lá atrás, com a queda da mortalidade infantil e, depois, do número de filhos; agora, a gente vive uma outra transição, em que as pessoas estão adiando a decisão de casar e o momento de ter filhos, uma tendência já concretizada na Europa."

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Mães mais velhas

A idade das mães no momento do nascimento dos filhos também é cada vez mais avançada. Na análise desses registros, entre 1998 e 2018, é possível verificar uma progressiva mudança na estrutura dos nascimentos no país. Em 1998, os nascimentos eram mais registrados entre mães iminentemente jovens. Mais de 30% estavam entre os 20 e os 24 anos.

Em 2008, nota-se uma diminuição relativa dos nascimentos cujas mães eram dessa faixa etária e um aumento daqueles cujas mães tinham entre 25 e 29 anos (25,2%). Em 2018, os dados evidenciam o incremento do porcentual de mães que tinham entre 30 e 39 anos e a redução nas outras faixas.

Casamentos com duração menor

Os casamentos estão durando cada vez menos. Em 2008, a média era de 17 anos. Em 2018, passou para 14 anos. E o porcentual de divórcios aumentou ligeiramente de 2,5% em 2017 para 2,6% no ano seguinte.

"Esses números refletem a facilidade da lei do divórcio (que desde 2010 aboliu o tempo de espera entre separação e divórcio) e também uma mudança na sociedade", ponderou a gerente da pesquisa. "Os filhos não são mais um impeditivo para o divórcio."

Guarda compartilhada

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Outra mudança registrada foi na questão da guarda dos filhos. Quem costuma ficar com as crianças ainda é a mulher (em 65,4% dos casos), mas vem aumentando a guarda compartilhada. Era de 7,5% em 2014, ano em que a modalidade passou a ser priorizada por lei, e passou para 24,4% em 2018.

"A lei foi crucial para essa mudança, acompanhando a mudança de comportamento", disse Klívia. "O porcentual de mulheres com a guarda ainda é maior, mas já foi muito maior."

Em 2018, foram registrados 2.983.567 nascimentos no País. Na comparação com o ano anterior, observou-se, no Brasil, um aumento de aproximadamente 1% no número de nascimentos. O número de mortes aumentou 21,2% nos últimos dez anos, passando de 1.055.672 em 2008 para 1.279.948 em 2018.

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