Centro antigo de São Paulo está sendo resgatado

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Por Agencia Estado
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O síndico Walter Zeferino Dias tem um orçamento de R$ 241 mil para gastar na restauração da Casa Alves de Lima, um dos prédios mais antigos da cidade, na Rua Barão de Itapetininga, 50, endereço de sua alfaiataria, que ocupa quatro salas no 6º andar. A reforma está começando pela recuperação da fachada, dentro de um programa patrocinado pela Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e pela Associação Viva o Centro. O projeto faz parte da revitalização e do embelezamento do quadrilátero formado pela Rua Conselheiro Crispiniano, Avenida São João, Avenida Ipiranga e Rua 7 de Abril, coração da antiga Cidade Nova, onde há 65 imóveis tombados, todos das primeiras décadas do século passado. Os condôminos receberão benefícios fiscais, como a isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), para bancar as despesas. "A construção desse edifício, o primeiro a ser levantado na Barão, se iniciou em 1900 e durou cinco anos", informa Dias, folheando plantas e escrituras com a meticulosidade de um pesquisador. Ramos de café na decoração da sacada e mármores de Carrara nos pisos atestam a opulência dos primeiros proprietários, os Alves de Lima, que moraram ali até os anos 50. Em 1960, quando a família resolveu transformar a residência em prédio comercial, desmembrando os nove andares em 248 unidades, Dias comprou o seu conjunto. "Conheço bem a história deste edifício, pois Antônio Alves de Lima, um dos herdeiros, me deu de presente essas pastas de documentos que agora estão servindo de roteiro para a restauração", orgulha-se o alfaiate. Os técnicos passaram uma semana e meia raspando peças até chegarem à cor original, bege escuro. "Nossa maior briga será com os comerciantes do térreo, uma papelaria e uma loja de telefones, que terão de retirar as placas para destacar o mármore na fachada", afirma Dias. A mesma coisa deverá ocorrer nos prédios vizinhos, na Casa Guatapara do número 120, por exemplo, que tem colunas gregas no 7º andar. A Rua Barão de Itapetininga tem 68 edifícios, todos comerciais, com cinco galerias, cinco bancos e cinco livrarias. Segundo Carlos Burtel, dono de um restaurante vegetariano na esquina da Rua Dom José de Barros e um dos líderes da Ação Local Barão de Itapetininga, da Associação Viva o Centro, o quadrilátero cria mais riqueza do que muitos shoppings de bairro. "O que falta é um bom marketing", diz Burtel, apostando na revitalização dos quarteirões compreendidos entre a Praça da República e o Viaduto do Chá. A Subprefeitura da Sé, antiga regional, já conseguiu a remoção de grande parte dos cartazes e outdoors que encobriam a beleza da arquitetura da São Paulo dos anos 20 e 30, mas ainda há muito trabalho pela frente. Comerciantes resistem à reforma, alegando que seus negócios dependem dos anúncios. Na Avenida São João, entre o Vale do Anhangabaú e o Largo do Paiçandu, os donos das lojas que limparam as fachadas reclamam dos vizinhos. "É a segunda vez que perco meu luminoso, porque obedeci às normas, mas a Casa das Alianças, minha concorrente, não retirou suas placas", queixa-se Henrique Farina, gerente da Lupatelli Alianças. Ele se mudou há 14 anos para a Avenida São João, depois de a empresa da família ter ficado 54 anos na Rua Capitão Salomão, perto da Praça do Correio. Do outro lado da avenida, a loja Ao Gaúcho, de cutelaria, armas e munições, enfrenta a teimosia da sapataria Zapata e dos prédios vizinhos, belos palacetes dos anos 20, degradados pela ação do tempo e pela poluição visual. "Isso aqui só deve melhorar quando a Secretaria Municipal de Cultura se mudar para o antigo Cine Olido, na altura do Largo do Paiçandu", diz Farina. Alguns prédios removeram as fachadas falsas, mas não restauraram a arquitetura original. Ao retirarem placas e outdoors, ficaram à mostra estruturas de ferro, fios e tubos que encobriam janelas e sacadas. "As fachadas falsas salvaram as paredes e decorações originais que encobriam", observa o diretor executivo da Associação Viva o Centro, o engenheiro Marco Antônio Ramos de Almeida, também diretor do BankBoston. "Parece um contra-senso, mas a instalação de fachadas falsas acabou sendo melhor para a preservação da arquitetura, pois em outros casos os comerciantes destruíram o original, cobrindo as paredes de pastilhas ou alumínio", diz Almeida, apontando o mau exemplo da Rua Direita. Os prédios "modernizados" com a superposição de fachadas falsas podem ser restaurados com mais facilidade. Foi o que se viu na Praça do Patriarca, onde bastou remover as placas de anúncios das sacadas para se recuperar a beleza da arquitetura original. A colonial igrejinha de Santo Antônio ganhou destaque entre os edifícios com a remoção do entulho visual que a encobria. Vista dali, a paisagem que se estende até a o Teatro Municipal, com os antigos prédios da Light e do Mappin ao fundo, ficou mais agradável. "O ideal seria limpar tudo, para livrar a Praça do Patriarca de interferências, em vez de se construir aquele pórtico que deixou a estátua de José Bonifácio de Andrada e Silva sem o merecido destaque, na esquina da Rua São Bento", diz o arquiteto Benedito Lima de Toledo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), que há dez anos escreveu um artigo contra o projeto do pórtico. Ele temia que, conforme acabou ocorrendo, a estátua do Patriarca, que dá nome à praça, acabasse sendo ofuscada pela massa de concreto. O arquiteto aponta como exemplo de preservação a iniciativa de Mário Rizkallah, proprietário da Casa da Bóia, na Rua Florêncio de Abreu. Além de restaurar o sobrado, que comemorou o centenário em 1998, Rizkallah montou um museu no andar superior do sobrado para documentar a história do negócio de sua família. A Casa da Bóia é uma ilha de autêntica beleza entre dezenas de imóveis, mais ou menos contemporâneos, degradados pela poluição visual.

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