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Chuva dá lugar à lama e PM restringe circulação à noite

No centro de Itajaí, transporte coletivo voltou a funcionar e parte do comércio reabriu; população ainda teme saques

Por Eduardo Nunomura e Renato Machado
Atualização:

O trabalho para reconstruir a vida depois da catástrofe já começou para a maioria dos catarinenses, só que em meio à lama. As águas baixaram em quase todo o Vale do Itajaí e moradores têm voltado às casas para tentar recuperar o pouco que sobrou. O medo de saques motivou até patrulhas policiais e restrições à locomoção de pessoas por parte da prefeitura. Ainda falta água para limpeza e comida para muitos que não foram para os abrigos e preferiram ficar em vigília, protegendo o imóvel inundado. Nas estradas ainda não há previsão de liberação - o acesso ao norte de Florianópolis pela SC-401, por exemplo, só deverá ser retomado em 20 dias, mesmo prazo dado para a recuperação do gasoduto Brasil-Bolívia. No centro de Itajaí, o transporte coletivo foi retomado e parte do comércio reabriu, incluindo supermercados e restaurantes, mas outros serviços públicos ainda não voltaram a funcionar. A prefeitura estima que só em 15 dias a limpeza da cidade estará completa. Os estudantes só voltarão às aulas na próxima semana, em data a ser confirmada, e os hospitais de Itajaí e região estão sentindo falta de sangue e precisam de doadores. Esgotados, depois de três ou quatro dias ininterruptos de ação, os voluntários começam a deixar de ir aos centros de distribuição e abrigos, o que preocupa a Defesa Civil. O comando da Polícia Militar de Santa Catarina editou ontem uma portaria que restringe a circulação de pessoas à noite em algumas áreas do município, principalmente onde há riscos. A medida começou a valer na noite passada, embora sem um horário delimitado. "Não se trata de um toque de recolher, mas sim de uma medida para evitar acidentes em áreas de risco e saques", diz o major Carlos Alberto de Araújo Gomes. A polícia aborda quem está nas ruas e pede identificação. Se a pessoa se declarar morador de uma região, os soldados a acompanham para verificar se reside realmente na residência citada. Em relação aos voluntários, será checado se a pessoa abordada possui cadastro na Defesa Civil. O major Gomes diz que, como a água começou a baixar e muitas pessoas ainda estão nos abrigos, há o risco de que algumas regiões possam ser alvo de criminosos. A PM também vai impedir que bares e restaurantes funcionem no período noturno. "Nossa intenção é evitar que esses estabelecimentos atraiam pessoas para as áreas de risco." SUBMERSO Por todos os lugares de Itajaí, há pilhas e pilhas de material à espera do caminhão da prefeitura. "O pior foi quando ouvi minha filha Cauana dizer: ?Você não trouxe a minha cama? E a minha boneca?? O que uma mãe podia dizer nessa hora?", indaga Raquel Rodrigues, de 33 anos. Ontem, ainda observava moradores fazendo a faxina para tentar voltar a dormir em suas casas. O imóvel de Raquel, no bairro do Pró-Morar, continua submerso. Ontem, ela criou coragem e entrou. Viu todos os móveis e eletrodomésticos destruídos. De nada adiantou empilhar o mobiliário prevendo uma cheia menor. Se chegasse a 1 metro de altura, tudo bem. O nível da água, contudo, ultrapassou o telhado. Os equipamentos de sua fábrica de estopas se perderam. "Somos a baixada, enquanto o resto está limpando a desgraça, nós temos de esperar a nossa. Até nisso levamos a pior", se resigna o marido, Alfredo Luiz Pereira, de 42 anos. Nas últimas quatro noites, ela e vizinhos têm ficado de vigília na madrugada para evitar os saques. PARA CIMA DA PONTE Moradora da Rua Gilberto Mafra, que continua alagada, a faxineira Cícera Maria da Conceição, de 42 anos, passa horas mirando a casa, agachada no chão. A cada pequeno passo que dá, mais perto está da hora de voltar. "O que consegui em 18 anos perdi na chuva. O que o pessoal do Nordeste vai pensar quando ouvir essa notícia", afirma a pernambucana de Ribeirão, na Região Metropolitana do Recife. Hipertensa, Cícera tentou trocar de lugar com um cunhado num abrigo montado pela prefeitura de Itajaí. Mas foi impedida. Restou a ela pegar o veículo Escort e, com o marido, o pedreiro Osvaldo Mestoreto, de 55 anos, passar a viver no alto de uma ponte da BR-101, um dos poucos lugares seguros na vizinhança. "Há seis dias a gente dorme no carro. E sempre em revezamento, para um ficar cuidando da casa", diz ela.

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