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Civilidade e corrupção

Por José de Souza Martins
Atualização:

Cambridge, na Inglaterra, cidade que, desde 1200, abriga a mais importante universidade do mundo, e com ela se confunde, tem peculiaridades que nos falam das notáveis possibilidades do modo de vida urbano e da civilidade como fundamento da cidadania. Boa parte de sua área de vida cultural mais intensa pode ser percorrida a pé. Destaca-se por sua musicalidade. Não há dia em que não se possa escolher entre vários concertos e apresentações musicais à noite e mesmo no intervalo do almoço. Os interessados também podem decidir entre mais de uma dezena de conferências e seminários diários. As questões mais sérias são tratadas até mesmo nos lugares menos sérios. Francis Crick e James Watson, faziam pesquisa no Laboratório Cavendish, num canto da universidade que mais parece um fundo de quintal. Todo fim de dia, costumavam encontrar os amigos no Eagle, ali pertinho, o mais central dos pubs, muito antigo. Foi entre uma cervejinha e outra que, no dia 28 de fevereiro de 1953, eles comentaram, numa das mesas do bar, que haviam descoberto o segredo da vida: como o DNA conduz informação genética. Uma placa na parede externa do pub anuncia esse feito. Em Cambridge, é comum encontrar-se detentores do Prêmio Nobel na feira, no diversificado mercado que no centro da cidade vende verdura, flores, frutas, livros usados, pães e roupas há séculos. Só um dos colleges, o Trinity, tem mais Prêmios Nobel do que a Itália. Desde que fui para Cambridge pela primeira vez, em 1976, como pesquisador-visitante, e depois como professor, inúmeras vezes vi Stephen Hawking no restaurante do University Center, onde ele almoçava, na porta do cinema ou em restaurantes da cidade, batendo papo com estudantes curiosos através de sua cadeira eletrônica que traduz gestos faciais em palavras e fala. Em 15 de fevereiro de 2003, o dono de uma loja de Sidney Street pintou em toda a extensão da vitrina o aviso de que a loja estava fechada para que os seus "funcionários tivessem a oportunidade de protestar contra esta estúpida guerra" do Iraque. Na esquina do Rose Crescent e da praça do mercado, onde existiu uma velha tabacaria, uma placa de bronze reproduz a Ode ao Tabaco, do poeta inglês Charles Stuart Calverley (1831-1884). Foi-se a tabacaria, mas ficou a poesia. A melhor de todas é a placa que a autoridade responsável pelos lugares históricos colocou na parede externa da agência do Barclay?s Bank, em Benet Street. Ela avisa que ali viveu John Mortlock (1755-1816), membro do Parlamento, 13 vezes prefeito de Cambridge, que teve uma casa naquele lugar, onde abriu o primeiro banco da cidade. Tinha um estranho lema, com que se justificava na política e nas finanças: "O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de influência."

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