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Com harmonia, sambistas levam ‘vida dupla’ em SP e no Rio

Médico, escritor, professor de Educação Física, cientista: eles aliam atividades do cotidiano com a rotina ritmada de batuques

Por Edison Veiga
Atualização:
Exercício. Beto Guilherme vai das quadras de basquete às das escolas de samba Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Se “quem não gosta de samba bom sujeito não é; é ruim da cabeça ou doente do pé”, o que mais o médico psiquiatra Rui Ribeiro ouve de seus pacientes é: “Doutor, o senhor não vai abandonar a medicina, não é?”. O receio tem lá seus fundamentos: quando tira a roupa branca e coloca um chapéu, Ribeiro é sambista. Dos bambas. Está gravando o 11.º disco, Meu Coração Nasceu Para Batucar.

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“Há um elo comum entre as minhas duas atividades: o sentimento humano”, filosofa, descartando qualquer possibilidade de aposentar o diploma. “Tenho igual dedicação e devoção às duas coisas.” Recifense de 57 anos, Ribeiro sempre flertou com a música. Na adolescência, foi vocalista de uma banda de rock – carreira interrompida quando ingressou na universidade. Há 10 anos, deixou de ser apenas um ouvinte de samba; passou a compor, cantar, gravar, fazer shows. “Acredito que uma carreira alimenta a outra. E quando preciso recarregar a bateria, é na outra ocupação que me encontro”, explica.

Do primeiro panteão dos sambistas do Brasil, o fluminense de Duas Barras Martinho da Vila, de 77 anos, também tem uma ocupação paralela. Devagar, devagarinho, ele é escritor: seu 14.º livro, recém-lançado, é o romance Barras, Vilas & Amores (Editora Sesi-SP). Antes, publicou três livros infantis, três infantojuvenis, três biografias, quatro romances e dois ensaios – trajetória nas letras iniciada em 1986, com Vamos Brincar de Política? (Editora Global). “De vez em quando vem a vontade. E escrevo um livro”, simplifica. “Mas não me considero escritor. Escritor mesmo é quem vive de literatura. Eu sou um cara que escreve livros, e só.”

Aos 73 anos, o carioca Nei Lopes é autor de uma biblioteca de 34 livros – no ano passado publicou Rio Negro, 50 (Editora Record). Formado em Direito, advogou de 1966 a 1972, quando se tornou sambista profissional. O primeiro livro, sobre questões do samba (O Samba na realidade: A utopia da ascensão social do sambista, Editora Codecri) foi lançado em 1981. Para ele, o compositor e o escritor vivem em simbiose. “Minha literatura se nutre da minha vivência no samba, de quase meio século; e os direitos e cachês que ganho com minha música sustentam a família.

Esporte. No Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, vive o sambista Beto Guilherme, de 54 anos. Sua vida vai das quadras de escola de samba às quadras esportivas, do cavaco à bola de basquete – de segunda à sexta, 7 horas da manhã ele já está a postos, dando aulas de Educação Física em escolas públicas. Seu maior sucesso musical, Moleque de Trem, foi feito no início dos anos 1980, na mesma época em que ele começava a docência. 

Mas, sem dúvida, o maior exemplo de sambista de “vida dupla” foi o do paulistano Paulo Vanzolini (1924-2013), compositor de Ronda, Volta por Cima, Na Boca da Noite e outras pérolas do cancioneiro nacional. Homenageado por escolas de samba do Rio e de São Paulo, Vanzolini era zoólogo, cientista dos mais respeitados. Foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Com seu trabalho, a coleção do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), instituição que dirigiu, aumentou o número de répteis de 1,2 mil para 230 mil exemplares.