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Com mais segurança, favelas agora começam a receber contas

Energia elétrica, TV a cabo e internet estão entre as taxas que os moradores terão de pagar

Por Marcia Vieira
Atualização:

O casebre de alvenaria tem 20 metros quadrados, distribuídos em sala, cozinha, quarto e banheiro. Não há janelas. A casa fica no alto de uma escadaria, no meio de um beco. Ao longo de 30 anos de trabalho como faxineira, Terezinha Mesquita, de 59 anos, acumulou bens e conforto. O imóvel, no coração da favela Santa Marta, zona sul do Rio, onde mora com a filha adotiva Júlia, de 9 anos, tem duas geladeiras, TV 29 polegadas, ar condicionado, ventilador de teto, máquina de lavar, chuveiro elétrico e computador. Terezinha não paga um centavo de luz desde que chegou do Ceará, em 1970. É tudo "gato" - gíria para ligação clandestina. Até novembro, Terezinha também tinha gatonet (todos os canais da NET, inclusive os de pay per view ) e gatovelox (internet banda larga), pagando R$ 25 mensais por cada serviço. As concessionárias não entravam no Santa Marta, assim como na maioria das favelas cariocas, pois seus funcionários eram expulsos por traficantes. Agora, a ilegalidade está com os dias contados. Depois que a polícia ocupou o território e acabou com o tráfico, abriu caminho para que a Light e outras empresas cobrem por serviços até então "furtados". A conta ainda não chegou, mas promete ser alta. Terezinha já perdeu a TV cabo, está sem internet e sofre cada vez que pensa na conta de luz, que começará a ser cobrada em julho. Por seis meses, moradores vão pagar tarifa social de R$ 15,72, seja qual for o consumo. Depois, a conta vai aumentando até chegar ao valor cheio. A conta da legalidade atingirá também a Favela do Batam e a Cidade de Deus, ambas na zona oeste. "Estou cabreira", admite Terezinha, desempregada desde dezembro. "Eu e várias pessoas não vamos poder pagar a conta de luz. Acho que, de cada 100 moradores, cinco podem gastar esse dinheiro." Terezinha sobrevive de bicos e dos R$ 65 que ela e a filha ganham do Bolsa Família. A tarifa social estipulada pela Light não contempla casos de desemprego. A empresa promete investir R$ 3 milhões para reformar a rede, instalar cabos à prova de gatos, oferecer geladeiras e chuveiros mais econômicos, além de ensinar a economizar energia. Em troca, vai cobrar pela luz, cortar fornecimento de inadimplentes e processar quem fizer gato. "Queremos que os moradores tenham os mesmos direitos e deveres dos outros 4 milhões de clientes", diz José Geraldo Pereira, superintendente de Recuperação de Energia da Light. Para que as pessoas se acostumem, este mês a empresa emitiu as contas. Ninguém precisou pagar, mas o susto foi grande. "Deve ter tido algum problema no relógio", desconversa José Mário Hilário dos Santos, presidente da Associação de Moradores. Sua conta, que não passava de R$ 6, chegou a R$ 300. Quem não puder pagar a conta terá de abrir mão, por exemplo, do ar condicionado. "Ar condicionado aqui não é luxo, é necessidade. O calor é infernal. É uma casa grudada na outra", defende Santos. A paz que chegou com a polícia é bem-vinda na comunidade. Difícil é abrir mão do conforto. O governo do Estado já providenciou internet gratuita aos moradores do Santa Marta. Basta comprar um aparelho de R$ 50. Mas TV a cabo virou luxo. E dos caros. Depois que a polícia acabou com o gatonet, nenhuma operadora se interessou em oferecer o serviço aos 9 mil moradores. A maioria não consegue captar nem o sinal da Globo. Para quem estava acostumado a ver mais de 35 canais, está difícil se acostumar. O garçom Antonio Soares de Azevedo teve de se juntar a um vizinho para dividir a conta da Sky, de R$ 120. "A vida aqui está bem tranquila. Vale a pena pagar mais caro."

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