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Com pandemia, missas em São Paulo perdem até 70% dos fiéis

Segunda onda da covid agrava queda no começo do ano, mas padres veem audiência maior em celebrações transmitidas por redes sociais. Cerimônias religiosas têm QR Code e restrições de instrumentos musicais

Por Pablo Pereira
Atualização:

A pandemia do novo coronavírus derrubou a presença de fiéis em até 70% em algumas igrejas de São Paulo, mudou horários de cultos e está provocando alteração até do perfil dos fiéis que frequentam missas nesta segunda onda de agravamento da covid-19. Ameaçados pela doença, idosos católicos passaram a buscar alternativas para rezar pela internet, longe das aglomerações, e a meia-idade e a juventude predominam entre aqueles que mantêm o hábito de ir às celebrações religiosas.

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“O movimento diminuiu bastante. As pessoas têm medo da doença”, diz Alzira Cardoso Azevedo, de 62 anos, que costuma frequentar missa pela manhã na igreja Imaculada Conceição, dos frades capuchinhos, na Av. Brigadeiro Luís Antônio, na Bela Vista, região central de São Paulo. Alzira afirma que as pessoas estão assistindo à missa em casa, com medo do contágio, e que preferem rezar nas transmissões por redes sociais.

“Elas rezam pelo Facebook”, lembra a moradora do bairro vizinho da igreja, que fica a uma quadra da Avenida Paulista. “Mas tem uma outra coisa acontecendo também”, diz Alzira. “Aqui temos muitos jovens e eles, sim, continuam vindo nas missas mais tarde”, afirma. “Prefiro vir mais cedo porque é mais tranquilo”, conta.

O Padre Michelino Roberto em missa durante apandemia do novo coronavírus Foto: Marcelo Chello/ Estadão

Na igreja Nossa Senhora do Brasil, nos Jardins, a percepção é semelhante. “Temos capacidade para receber 350 pessoas sentadas, mas agora temos aí cerca de 110, 115, no máximo, ocupadas em dias ou horários que costumavam ser de igreja cheia”, conta o padre Michelino Roberto, de 54 anos, que há treze professa no templo da Avenida Brasil. Ele argumenta, porém, que a queda na frequência não diminuiu a fé das pessoas. Ao contrário. Nestes meses da pandemia, segundo Michelino, “a procura pelo serviço religioso se intensificou”.

Comunicado do governo estadual de São Paulo estabelece orientações para “todas as religiões, templos, igrejas, mesquitas, pagodes, sinagogas, entre outros estabelecimentos religiosos, além de rituais realizados nas residências.” O governo recomenta a higiene das mãos, o distanciamento social e adiamento de grandes eventos religiosos. O protocolo, disponível no site do governo paulista, lembra ainda de cuidados como “não tocar ou beijar objetos sagrados e religiosos que a comunidade está acostumada a manejar, como livros e objetos sagrados.” O papa Francisco, também tem incentivado a adoção das medidas de higiene nos templos.

Michelino concorda que muitos católicos preferem mesmo acompanhar as missas de casa.  De acordo com o padre, houve crescimento da audiência das missas transmitidas pela internet, via Youtube ou Instagram, que chegam a registrar até 1,7 mil aparelhos ligados, como ocorre na celebração dos domingos. “Temos esse controle de audiência, o que nos permite afirmar que estamos vendo um aumento no número de fiéis”, argumenta Michelino.

Igreja Nossa Senhora do Brasil com número reduzido de fieis Foto: Marcelo Chello/ Estadão

Nas missas presenciais, salienta o religioso, os frequentadores seguem as regras do distanciamento, uso de máscaras e higiene das mãos e, além disso, desenvolvem seus meios de evitar a aglomeração. “A gente nota que há uma solidariedade natural. Eles sabem dos limites e buscam horários diferenciados para vir à missa”, afirma Michelino. Como Alzira, padre Michelino também nota a mudança no perfil dos frequentadores, com a presença de gente jovem e de gente de meia-idade.

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Cerimônia online tem até QR Code

A paróquia da Avenida Brasil tem quase 20 mil inscritos no canal da rede social. Durante a missa, na hora do ofertório, é exibido um código (QR Code) na tela do computador, que pode ser copiado pelo telefone celular, com as recomendações de como agir para creditar as ofertas em dinheiro. Para Nazareth Fairbanks, de 82 anos, o temor do contágio reduziu a presença nas missas, mas ela continua indo. “Venho todos os dias cedo”, afirma.

Já a Catedral da Sé, marco histórico paulistano, com capacidade para até 800 pessoas, há missas diárias às 12h, além da dominical das 9h. Como é local de passagem, no centro da cidade, a frequência não sofreu forte redução. A Sé continua a receber público nas missas presenciais, mas antes da pandemia havia também às 17h, que foi cancelada. A Sé também transmite as cerimônias pelas redes sociais. A página da Sé no Facebook registra cerca de 12,7 mil seguidores.

Catedral da Sé segue recebendo público nas missas presenciais durante a pandemia Foto: Werther Santana/Estadão

“A frequência caiu mais da metade”, diz José Oliveira, funcionário que cuida da igreja dos franciscanos na região da Paulista, onde Alzira reza diariamente. Ele explica que as pessoas se acomodavam em bancos com capacidade para quatro ou cinco sentados, mas hoje estão limitados a receber apenas duas. Círculos marcados nos assentos apontam o distanciamento entre os fiéis. Com isso, o máximo que cabe na igreja é de cerca de 150 a 170 pessoas.

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O pároco da Imaculada Conceição, frei Nilton Groppo, de 51 anos, conta que durante a semana, apenas um horário de missa, das 19h30, foi cancelado. Ele argumenta, porém, que a redução das presenças ocorre mais entre os idosos, que recebem a orientação para se preservarem. “Mas temos a presença de jovens em todos os horários”, diz o pároco, que mantém a celebração dominical das 18h30, chamada de “Missa da Juventude”, além de mais cinco horários aos domingos. Ele ressalta ainda que a igreja já foi colocada à disposição para ser local de vacinação da covid-19, caso necessário. Atualmente, os frades capuchinhos não fazem transmissões das missas por rede social.

'O coronavírus nos engaiolou', diz pároco

O movimento presencial desabou também na paróquia dos irmãos paulinos, Santo Inácio de Loyola, da Vila Mariana, na zona sul. “É um bairro que tem muitos idosos”, explica o pároco Mário Pizetta, de 68 anos. Na entrevista, mostrando os avisos de distanciamento social e higiene com álcool disponível na entrada da igreja, padre Mário cita relato dele próprio sobre a pandemia, feito no jornal da paróquia, no qual chama de “um quadro desolador” a situação vivida a partir de março de 2020, quando a pandemia obrigou o fechamento das igrejas. 

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"O coronavírus nos engaiolou”, diz Pizetta. Só em agosto a igreja dele voltou a ter duas missas diárias, 12h e 18h. No 2º semestre, as atividades foram normalizadas, mas com

forte redução dos fiéis. “E a presença caiu bastante agora, principalmente depois de dezembro, com essa segunda onda da doença”, explica Mário, que administra também uma obra de expansão da área da igreja. A paróquia vai ganhar um prédio novo com estacionamento subterrâneo. Durante a semana, as missas na Santo Inácio de Loyola estão mantidas para 12h e 18h. Mas, aos domingos, são três pela manhã, 8h, 9h30, 11h30, além da tradicional das 18h, diz ele, que também transmite a celebração dominical das 9h30 pelo Facebook.

Outras religiões também mudam rotina

No Templo Budista Zu Lai, em Cotia, região metropolitana de São Paulo, as visitas, palestras e cultos foram suspensos desde o início da pandemia. As reuniões ocorrem somente para transmissão pela página da internet aos sábados e domingos. No site, um aviso sobre as atividades lembra que o templo do bairro da Liberdade, no centro, também deve seguir as orientações da sede, em Taiwan.

“Todos devem fazer a sua parte para evitar a propagação da covid-19 (coronavírus) no Brasil”, diz o alerta. Antes da pandemia, eventos no espaço de Cotia chegaram a reunir mais de 5 mil pessoas aos domingos. Mas a movimentação está suspensa e não tem prazo para retornar.

Templo Budista Zu Lai, em Cotia Foto: Renato Luiz Ferreira/ Estadão

 

Já fiéis das igrejas da Congregação Cristã do Brasil retornaram aos cultos. As atividades foram retomadas em 11 de janeiro, segundo comunicado exibido na página da web da Congregação. Relatos de frequentadores indicam a presença de fiéis de todas as idades, idosos, jovens e crianças.

“Aqui, a gente tem os irmãos e irmãs que orientam a gente no distanciamento social nos bancos, com máscara, álcool gel e também controle de temperatura na entrada”, conta uma frequentadora de igreja de Taboão da Serra, na região metropilitana, que costuma participar dos cultos aos domingos com a família. “Mas está vindo bastante gente, sim, e de todas as idades." Há também a orientação de que orquestra das cerimônias não use instrumentos musicais de sopro, só os de cordas são permitidos. A Congregação não dá entrevistas e nem informa o número de frequentadores em seus cultos.

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A igreja Assembléia de Deus, do Belém, em São Paulo, que recebeu o presidente Jair Bolsonaro em 5 de outubro com casa cheia, não retornou a pedidos de entrevista. Na visita de outubro, disponível para consulta na internet, Bolsonaro, sem máscara, foi aplaudido quando prometeu aos presentes que vai indicar um pastor para a vaga do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello. O ministro se aposenta em julho quando completa 75 anos.

Em outro templo da Assembléia de Deus na cidade, porém, há relatos de queda da presença de fiéis. Na Barra Funda, zona oeste, por exemplo, as celebrações ocorrem diariamente, no início da noite, e em dois horários aos domingos. “Aqui, o movimento caiu”, disse um presbítero ao Estadão, explicando que o espaço permanece de portas abertas e que pode abrigar até 500 pessoas. Mas, ressalta, mesmo aos domingos o local recebe no máximo 200 pessoas nos cultos, menos da metade da capacidade.

Assim como a direção da Assembléia de Deus, o Estadão procurou, por e-mail e por telefone, também representantes da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo. A assessoria de imprensa da entidade, porém, não retornou aos pedidos de entrevista.