Cores de Ruy Ohtake transformam cenário e perspectiva de favela de SP

Projeto vai recuperar 5 mil casas no Jardim Pantanal, com ajuda dos moradores; CDHU vai investir R$ 59,6 milhões

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Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Vistas de longe, as casas amontoadas, feitas de blocos e sem reboco, formam um cenário cinzento e sem charme que São Paulo aprendeu a chamar de favelas. São bairros que cresceram de forma improvisada e irregular, mas que nos últimos anos estão sendo urbanizados e legalizados. Mesmo com as melhorias na infra-estrutura urbana, o estigma, contudo, continua a perseguir os moradores desses lugares. Atento ao problema, o arquiteto e urbanista Ruy Ohtake, nacionalmente consagrado pelas cores e curvas de suas obras, como o Hotel Unique, em região nobre de São Paulo, começa a testar no Jardim Pantanal, na zona leste, uma solução para enfrentar esse desafio. O primeiro passo foi dado na semana passada. Quatro casas foram pintadas - fachada e áreas externas - e rebocadas na Rua Papiro do Egito - cada uma delas formando um mosaico de quatro cores. Até o final do ano, outras 300 casas, cujos estudos cromáticos já foram feitos pelo arquiteto, também ganharão tintas e reboco. Nos próximos dois anos, as 5 mil casas do Jardim Pantanal ganharão nova cara, sob a assinatura de Ohtake. "O Pantanal vai funcionar como um laboratório. Caso o modelo funcione, vamos repeti-lo em outros núcleos", diz Lair Krähenbühl, secretário Estadual de Habitação e presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU), empresa que contratou o arquiteto para o projeto. "A estética não costuma ser levada em conta nos projetos de urbanização. Acho que está na hora de darmos a importância devida a esse aspecto." Mais do que o simples embelezamento das casas, Ohtake defende que todo o processo de pintura ajuda na mobilização dos moradores, que participam das escolhas das cores e podem assumir a defesa do bairro contra a depredação. Nos últimos dois meses, um grupo de agentes comunitários passou de casa em casa com uma cartela com 16 opções de cores. Cada morador escolheu a preferida, que serviu de base para a proposta cromática de Ohtake. A tinta das 300 primeiras casas vai ser doada por integrantes da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tinta (Abrafati). A pintura das outras 5 mil casas do bairro será paga pela CDHU, em uma licitação de R$ 59,6 milhões, voltada também para melhorias na infra-estrutura urbana e para a regularização de 3 mil residências. O custo para a pintura de cada uma das casas é estimado em R$ 1,5 mil. O trabalho será feito pelos próprios moradores do Jardim Pantanal, que receberão cursos profissionalizantes para dar conta da tarefa. ENCHENTES O reboco nas paredes das casas mal-acabadas, outro ponto relevante do projeto, visa a diminuir a umidade dentro das residências. Construído às margens do Rio Tietê, o Jardim Pantanal freqüentava os noticiários todos os verões, quando as chuvas castigavam o bairro obrigando seus moradores a usarem barcos para transitarem pelas ruas durante as enchentes. A partir de 2002, um programa de drenagem e reurbanização do governo estadual solucionou os principais problemas de escoamento e removeu 3 mil famílias de áreas críticas para conjuntos habitacionais dentro do bairro. Os dois grandes córregos da região - Jacu-Pêssego e Cruzeiro do Sul - foram canalizados. Houve ainda a urbanização de uma área que abrangia cerca de 2 mil moradores - canalização de córregos, asfalto e regularização de posse. Faltava urbanizar e legalizar outras 3 mil casas no bairro, medida que será tomada nos próximos dois anos. "Queremos agora transformar o Jardim Pantanal em um novo ponto turístico de São Paulo", afirma a arquiteta Viviane Frost, superintendente de Ações de Recuperação Urbana da CDHU. Algumas das testemunhas das transformações ocorridas no Jardim Pantanal ao longo dos anos são os próprios moradores privilegiados com as primeiras pinturas feitas por Ohtake. A dona de casa Maria Helena Baraúna, cujo sobrado foi pintado de diferentes tonalidades de azul e lilás, chegou ao Pantanal há nove anos. Comprou um terreno e construiu uma casa de um cômodo para fugir do aluguel. Como as ruas ainda eram de terra, na época de chuvas tinha que caminhar com sacos plásticos nos pés quando ia trabalhar. Como fica em uma parte alta do bairro, sua casa "só enchia cerca de 90 centímetros" nos verões. Ampliou a casa aos poucos. Hoje vive em um sobrado com dois quartos, banheiros, sala, num imóvel que ocupa quase os 125 metros quadrados de terreno, cujo estilo tem a grife Ruy Ohtake. "No começo, estranhei um pouco o lilás. Agora já me acostumei", diz.

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