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CPI em 96 antecipou crise dos presídios

Por Agencia Estado
Atualização:

O secretário da Administração Penitenciária do Estado, Nagashi Furokawa, negou nesta quarta-feira que sua Secretaria tenha sido omissa e não tenha ouvido os alertas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Presídios, instalada na Assembléia Legislativa em 1996 para investigar as condições do sistema carcerário do Estado de São Paulo. Em seu relatório final, a CPI alertava que o crescimento do poder das organizações criminosas dentro dos presídios ameaçava a capacidade do governo de administrá-los. Dizia que o ?sistema carcerário havia chegado ao seu limite? e descrevia os presídios do Estado como barris de pólvora à beira da explosão. Falência do sistema A CPI dizia que a superlotação de presídios, a corrupção de agentes penitenciários, a tortura e maus-tratos contra os presos eram apenas os reflexos imediatos da ?falência do sistema?. Em 1996, os números já assustavam. ?Todas as casas penitenciárias estão com 70% a 100% acima de sua capacidade?, afirma o relatório. Quatro anos depois, a situação mudou pouco. Furokawa culpa o aumento da criminalidade. Nos últimos seis anos, foram construídas 60 mil novas vagas nos presídios, mas só nos últimos dois anos 40 mil novos criminosos foram presos. ?A criminalidade aumenta e o sistema carcerário corre para acompanhá-la?, diz o secretário. Superlotação A superlotação era apontada no relatório como uma das principais causas da revoltas dos presos. No final de semana, a superlotação voltou a figurar como um das principais reivindicações do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização responsável pelos levantes nos presídios. Justiça lenta A superlotação caminha ao lado da lentidão da Justiça. A CPI não cita números e, até hoje, eles ainda não foram contabilizados. Mas o documento fala em ?inúmeros casos de presos que já cumpriram mais da metade de sua sentença? e continuam confinados em regime permanente. Por lei, o cumprimento de metade da sentença concede ao preso o direito de pedir mudança para regime semi-aberto. ?Estes casos são literalmente esquecidos pelo sistema judiciário. Isto, sem contar os casos constatados pelas investigações de detentos com penas concluídas e que se encontram ainda presos?, diz o relatório. Desinformação ?Uma manifestação assombrosa deste descaso é a comprovação da total desinformação por parte dos presos sobre o andamento de seus processos, petições e requerimentos?, diz o relatório. Não por acaso, entre as seis reivindicações do PCC divulgadas esta semana, a organização pede: ?Rapidez no andamento e na análise de processos criminais?. Penas alternativas O relatório da CPI, há quatro anos já discutia a necessidade de revisão do Código Penal brasileiro, que tornaria possível a aplicação de penas alternativas à reclusão. ?Na Inglaterra, por exemplo, menos de 10% das penas previstas no Código Penal são de reclusão; no Brasil, 98% dos delitos são punidos com a prisão?, diz o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Federal, deputado Marcos Rolim (PT-RS). Para Rolim, esta distorção jurídica está na raiz da superpopulação carcerária. ?Não adianta abrir mais e mais vagas nos presídios porque o número de condenados vai sempre ser maior?, argumenta ele. A revisão do Código Penal Brasileiro é uma das bandeiras da CDH para equacionar a questão carcerária no país. Punir e corromper O relatório final da CPI afirma que praticamente nenhum presídio brasileiro exerce o papel de reeducar o preso, que é ?a sua finalidade expressa na legislação?. De acordo com o documento, a ?lógica punitiva e segregadora? que impera nos presídios brasileiros é responsável pelo altíssimo índice de reincidência, que chega a 70% entre os criminosos brasileiros. As condições mínimas de sobrevivência não são respeitadas nos presídios, diz o relatório da CPI, que descreve celas com restos de comida, ratos e insetos convivendo com presos que chegam a passar até quatro meses sem ver a luz do sol. ?Nestas condições, não é de se estranhar a gravidade do estado de saúde dos presidiários, que propiciou o retorno na população carcerária de doenças que se encontravam sob controle na sociedade?, diz o relatório. Doenças A CPI cita estudos que responsabilizam as condições de saúde dos presidiários pelo retorno da tuberculose como doença endêmica em algumas regiões do país. ?10% dos presos com bacilo desenvolvem a doença e vão contagiar muitas outras pessoas?, afirma o relatório. A Aids é a sentença de morte dos presidiários, diz o relatório. Os deputados que integraram a CPI afirmam que encontraram diversos casos de omissão de socorro, ?algumas vezes criminosamente usado como forma de punir presos?, como um caso minuciosamente relatado onde o preso ? vítima de um derrame e com o lado esquerdo do corpo paralisado ? foi espancado para que ?saísse andando da ambulância?. Métodos medievais e escravagistas A CPI denuncia, ainda, que muitos médicos que atuam nos presídios se omitem diante de casos de espancamento e tortura. E diz que ainda vigoram nos presídios paulistas métodos ?medievais e escravagistas? de punição de presos. Corrupção O relatório da CPI afirma que os ?vários níveis? de corrupção são, de longe, o problema mais grave da administração penitenciária no Estado. ?A corrupção se expressa das mais diferentes formas: no sub ou superfaturamento de compras, na venda de privilégios ou mesmo direitos dos presos, na facilitação de fugas, no desvio de materiais destinados ao presídio e no tráfego de drogas e gerenciamento de prostituição para encontros íntimos?, acusa o documento. Rebeliões Para a CPI, buscar a causa das rebeliões nas tentativas de fuga ou em reivindicações de grupos ou comandos dentro de penitenciárias é uma ?análise parcial do problema?. ?Para alguns diretores, as causas das rebeliões são sempre desafio à sua autoridade e tentativas de fuga?, afirma o relatório. Mas, de acordo com os deputados, as rebeliões resultam da falência do sistema penitenciário no país. O deputado Wagner Lino (PT), relator da CPI, afirma que as rebeliões que ocorreram este final de semana nos presídios de São Paulo já eram previstas no relatório divulgado em 1996. ?A omissão do estado deu margem ao crescimento das organizações criminosas?, afirmou ele. Estado se omitiu O deputado federal Marcos Rolim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, afirmou em São Paulo que o governo do Estado ?fechou os canais de comunicação com os presos e os deixou à mercê das organizações criminosas? como o Primeiro Comando da Capital (PCC). ?Enquanto o Estado se omitiu, as organizações criminosas cresceram?, sentenciou Ronin. Furokowa negou as acusações. De acordo com ele, todos os alertas formulados nos últimos anos tem sido ouvidos por sua Secretaria e pela Secretaria de Segurança Pública. ?Não somos omissos à questão dos direitos humanos dos presidiários. A Pastoral Carcerária, uma das principais organizações com este enfoque, tem canal aberto em meu gabinete?, argumentou o secretário. Furokawa rebateu, ainda, as acusações de Lino de que ?o governo não ataca o centro da questão carcerária?. Para o secretário, o problema carcerário em São Paulo ?é histórico? e ?nunca foram construídas tantas vagas penitenciárias como no atual governo?.

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