Cremesp vai ajudar médicos dependentes de drogas

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Por Agencia Estado
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O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) anunciou nesta segunda-feira a adoção de uma série de medidas para tentar contornar um problema que há tempos atinge a classe médica: o expressivo número de profissionais dependentes de drogas. Submetidos a uma rotina estressante, sentindo-se cobrados pela sociedade e, ao mesmo tempo, inibidos para buscar ajuda, muitos desses profissionais acabam retardando o início de uma terapia. "Precisamos auxiliá-los. Não podemos esperar que eles tenham uma atitude espontânea", afirma o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira, responsável por uma pesquisa que norteou a decisão do Cremesp. Resultados consistentes Laranjeira analisou casos de 206 médicos dependentes químicos que buscaram espontaneamente tratamento. Os resultados obtidos pelo estudo foram tão consistentes que o Cremesp julgou necessário tomar providências antes mesmo que uma pesquisa de maior porte fosse feita. Cerca de 30% dos médicos ouvidos foram demitidos nos 12 meses anteriores ao estudo e 20% tiveram problemas com a Justiça. Doença psiquiátrica A pesquisa demonstrou ainda que quase um terço dos entrevistados apresentava outra doença psiquiátrica além da dependência. O problema mais freqüente foi depressão (em 21% dos entrevistados), seguido por transtorno afetivo bipolar (16%). "Diante da responsabilidade social desse grupo, não podemos abandoná-los." A demora na busca por tratamento não ocorre apenas no Brasil. Estudo feito na Inglaterra mostra que o médico leva até seis anos para recorrer a uma terapia. Laranjeira explica que médicos resistem a procurar auxílio por uma série de razões. Medo de represália Como ocorre com todos os dependentes, os profissionais inicialmente acreditam ter controle sobre o uso da droga. No entanto, quando a situação se agrava, eles não querem expor seu problema para colegas de profissão. Além disso, temem represálias no trabalho. Regina Parisi, presidente do Cremesp, conta que a maioria dos médicos que trabalha na rede particular é demitida quando o problema vem à tona. "No serviço público, há uma tolerância maior, com transferência do profissional para áreas administrativas no período em que ele está sob terapia." Para tentar reduzir a demora na procura do tratamento, o Cremesp pretende criar um atendimento telefônico 24 horas para os profissionais. No serviço, eles poderão receber aconselhamento rápido e encaminhamento para uma rede de tratamento. Atendimento A rede será formada por profissionais especializados em dependência química e terá atuação em todo o Estado. Um trabalho-piloto já está sendo feito na Unifesp há um ano. Laranjeira é o coordenador: "O tratamento dos médicos não difere dos demais profissionais, eles apenas preferem o trabalho individual ao atendimento de grupo." Além disso, comissões de ética de hospitais devem ser mobilizadas, para tentar incentivar médicos a procurar ajuda profissional. O Cremesp também estuda a criação de uma medida alternativa à interdição, que hoje é imposta aos médicos que não têm capacidade de exercer sua atividade profissional. "Seria uma medida intermediária, concedida desde que o médico se submetesse ao tratamento indicado", revela Regina. Caso as exigências não fossem atendidas, seria, então, decretada a interdição do médico. Pressão da sociedade O coordenador do curso de medicina da Faculdade do ABC, Arthur Guerra de Andrade, elogiou o trabalho. "Ele tira a idéia de que medicina é sacerdócio", diz. Andrade salienta que esses profissionais recebem uma pressão grande da sociedade, têm contato constante com a morte e com o sofrimento. Ele acrescenta que, principalmente no início da carreira, muitos são submetidos a uma jornada de trabalho desumana. "Certamente encontraríamos em outras classes profissionais também um número significativo de dependentes", observa Andrade. "Mas sabemos que a resistência entre nossos colegas em procurar ajuda deve ser maior." Regina afirma que os dados não precisam alarmar a população. "Geralmente os médicos com problemas são acompanhados por colegas, que não permitem que eles atuem enquanto estão sob efeito das drogas." Ela observa, ainda, que casos mais graves são comunicados ao Cremesp. "Qualquer pessoa sob efeito de drogas traz um risco à sociedade. O que vamos fazer é criar mecanismos para que nossos profissionais procurem tratamento antes que isso ocorra."

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