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Criminalização da homofobia, uma discussão prestes a completar 18 anos no Congresso

Entre deputados, senadores e ministros do STF, o certo é que brasileiros não podem mais morrer por preconceito

Por Carla Miranda
Atualização:

Dezoito anos. As discussões sobre a criminalização da homofobia vão atingir a maioridade no Congresso sem que nenhuma resposta tenha sido dada à sociedade. Foi em 7 de agosto de 2001 que a então deputada Iara Bernardi (PT-SP) entrou na Câmara com o Projeto de Lei nº 5.003, que previa sanções administrativas a pessoas jurídicas que adotassem práticas discriminatórias motivadas por orientação sexual. 

Integrantes da comunidade LGBTI+ acompavanham na frente do Supremo Tribunal Federal, julgamento de ações que discutem a criminalização da homofobia. A discussão teve início no dia 13 de fevereiro e foi finalizada quatro meses depois. Foto: Dida Sampaio / Estadão

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Após cinco anos de tramitação, o projeto aprovado pela Câmara e enviado ao Senado era outro. Em vez de lei avulsa, havia virado um substitutivo à Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que pune crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O texto da lei, já como PLC 122/2006, passaria a incluir punição para os crimes praticados por discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. 

Foram nada menos do que oito anos no Senado, em uma triste jornada até o arquivamento. Definido não porque o assunto era irrelevante para a sociedade ou porque era inconstitucional. Morreu pura e simplesmente por extrapolar o prazo de tramitação, definido pelo regimento do Senado: duas legislaturas com a possibilidade de estender por uma terceira. Morreu entre comissões, falta de acordo e omissões. 

Renasceu em 2017, apresentado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, da mesma forma que estava quando foi arquivado. Em maio, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.  Na Câmara, deputados também continuaram propondo projetos para criminalizar a homofobia, incluindo-a na lei que pune o racismo. 

Enquanto tudo isso tramitava no Congresso, crimes de injúria, agressões físicas e assassinatos decorrentes de homofobia aconteciam nas ruas. Quantos, exatamente? Resposta impossível de dar ou pelo menos muito imprecisa. Tais crimes entram nas estatísticas de crimes como injúrias, agressão ou homicídio, misturados a outros que não têm o preconceito como origem. 

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A morte do adolescente Kaique Augusto Batista dos Santos, em 2014, motivou protestos em São Paulo. Foto: Daniel Teixeira / Estadão

O relatório do Grupo Gay da Bahia contabiliza a morte de 420 pessoas LGBT por homofobia em 2018. No mesmo período, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) chegou ao número de 163 mortes de travestis e transexuais, e fala em aumento da subnotificação dos casos. Não há estatísticas oficiais para crimes ligados à homofobia.

Casos de agressão também se acumulam. Recentemente, o Estadão retomou a história de vítimas. O analista Marcos Paulo Villa tinha 32 anos quando foi agredido, em 2011, ao andar na região da Avenida Paulista com o ex-namorado. Levaram socos e pontapés. Episódio que fez Villa deixar o País – hoje, vive na Irlanda.

Já o escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo André Baliera, agora com 34 anos, foi agredido verbal e fisicamente na Avenida Henrique Schaumann, zona oeste, em 2012. Desmaiou de tanto apanhar. Conta que as agressões verbais continuam sendo muito comuns. “Todo mês acontece alguma ofensa”, diz Baliera. Para ele, a decisão de do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminalizar a homofobia e a transfobia tem carga mais simbólica do que punitiva

Na votação, finalizada em 13 de junho, após seis sessões plenárias, os ministros do STF decidiram por 8 a 3 incluir a homofobia e a transfobia na legislação de racismo, em vigor desde 1989 no País. Na mesma sessão, 10 dos 11 ministros votaram para declarar omissão do Congresso Nacional, por ainda não ter aprovado uma lei específica sobre homofobia. “O bom seria que não tivéssemos de enfrentar esse tema em pleno século 21, no ano de 2019”, disse o presidente do STF, Dias Toffoli, em seu voto.

O capítulo no Supremo havia terminado, mas não a polêmica em torno do caso. De um lado, grupos LGBT, especialistas de várias áreas e mesmo a OAB/RJ, que elogiavam a decisão. Do outro, políticos e juristas, para os quais o STF ultrapassou suaatribuição constitucional, uma vez que cabe ao Congresso legislar.

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Para o presidente Jair Bolsonaro (PSL), a votação no Supremo foi“completamente equivocada”. “Será que não está na hora de um evangélico no Supremo?”, questionou o presidente. Já a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, elogiou o trabalho dos ministros. 

Manifestantes participam em Marcha Nacional contra a Homofobia, na Esplanada dos Ministerios. Foto: Foto: Ed Ferreira / AE

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No episódio mais recente, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), aliado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), protocolou um projeto de decreto legislativo para derrubar os efeitos da decisão do STF. Marcos Rogério argumenta que não é contra o mérito do julgamento, mas contra o Supremo “legislar” enquanto o tema ainda está sendo discutido no Congresso. 

Enquanto isso, nas ruas, algo é certo: é preciso evitar que brasileiros sejam agredidos ou mortos por seu gênero. Isso é questão de lei. E também de ações educativas. 

Neste domingo, dia 23 de junho, teremos na região da Avenida Paulista a 23ª edição da Parada LGBT de São Paulo. Considerada uma das maiores do mundo, a festa deve contar com mais de 3 milhões de pessoas. Espera-se que seja, como sempre, uma festa de muitas cores e de muito respeito. 

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