Da passarela para o sertão

Jum Nakao, conhecido estilista, trocou a moda pelo trabalho com comunidades carentes

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Por Valéria França
Atualização:

Há cinco anos, o estilista paulista Jum Nakao, então com 37 anos, se despediu das passarelas com um desfile marcante na São Paulo Fashion Week, apresentando ao público roupas feitas de papel que, num final surpreendente, eram rasgadas pelas próprias modelos. Jum deixou o prédio da Bienal, no Ibirapuera, zona sul de São Paulo, para colocar o pé na estrada Brasil a fora, ensinando técnicas e formas de criação em comunidades carentes, valorizando a cultural local e promovendo a inserção no mercado. Parte do resultado desse trabalho poderá ser vista em abril no Salão de Móveis de Milão, na Itália. Jum assina o design de peças atualmente produzidas por uma comunidade carvoeira da Amazônia. "Meu último desfile mostrou o que sentia. A moda ficou vazia, muito comercial. Senti que precisava mudar", explica. Com formação também em Artes Plásticas, entrou para um grupo de designers brasileiros e italianos que apoiam o projeto do Conselho Euro-Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável, uma ONG com atuação em Ceará, Maranhão e Piauí. O mobiliário de Jum sai de Açailândia - região maranhense que nos últimos 35 anos viu 700 quilômetros de área serem desmatados para transformar madeira em carvão. "A ideia é produzir móveis de madeira renovável", diz Jum. Na região há mão-de-obra ociosa de sobra, ávida por trabalho. "Eles aprendem, ganham dinheiro e autoestima. Trabalhadores que antes não tinham nem emprego agora expõem para o mercado internacional." O projeto trabalha em parceria com o Grupo de Pequenos Produtores Rurais de Galileia, que fica em Açailândia, encarregado da produção de mudas. O design moveleiro é apenas um dos atuais braços criativos de Jum. No sertão da Bahia, em Santa Rita de Cássia, por exemplo, desenvolveu uma coleção infantil, Canções de Bordar. O nome da marca foi inspirado no costume local das mulheres, que cantam enquanto bordam. "Criei peças que pudessem aproveitar essa cultura e aprimorei o processo de produção", diz Jum, que integra o projeto Talentos do Brasil, criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae). O projeto trabalha com 15 grupos não organizados no País, ensinando tecnologia, gestão de produção e mercado. Além da coleção, também foi gravado um CD de cantigas, comercializado junto com as roupas infantis. As peças serão expostas neste ano na Feira de Moda de Paris, na França. Quando está em São Paulo, o estilista praticamente se esconde num pedaço ainda muito residencial da Vila Mariana, bairro da zona sul. Quem passa pela porta de seu ateliê tem a falsa impressão de que o local está abandonado. Para ter sossego, Jum se instalou num antigo mercadinho, que conserva até chão quadriculado de ladrilho hidráulico. A parte interna do prédio passou por uma boa reforma, que deu amplidão e até um jardim interno ao local. Mas a fachada permaneceu, ou seja, conserva uma porta blindada, típica dos velhos mercados de bairro. Nos últimos tempos, foi pichada. Vizinha do ateliê, há uma casa de jardinagem que enfeita a calçada com vasos floridos e quase sempre tem angélicas à venda, que perfumam o quarteirão. DE BICICLETA E, ali, Jum vive como se não estivesse em São Paulo. Poucas vezes ele pega o carro para sair. Prefere ir a pé ou de bicicleta. "A integração com a cidade é outra. Quando você anda de carro, a impressão é que apenas o destino importa e não o caminho." Na maior parte do tempo, no entanto, ele fica encerrado no ateliê, de onde saem ideias para inúmeros projetos. Entre outros trabalhos, está envolvido na animação do Vira-Lata, um quadrinho criado nos anos 80 pelo médico Dráuzio Varella, para uma campanha de combate à aids. "Essa história ainda vai longe. No início, queríamos fazer um filme, mas faltou dinheiro e partimos para a animação." É também do ateliê que Jum vem organizando o roteiro da exposição Quando Vidas se Tornam Formas, que em abril esteve no Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera. Ela passou pelo Japão, agora vai para São Francisco, nos Estados Unidos. Há uma exposição prevista também no Museu de Art e Design de Nova York. "Virei um ladrão de referências. Garimpo ideias de um monte de lugares para criar uma linguagem própria", diz Jum a respeito de suas andanças pelo mundo. "Acho que a arte tem de ser como uma experiência gastronômica, que oferece múltiplas sensações. Para um jantar ser perfeito, há de se ter também boa música e iluminação, entre outros detalhes." Ao mesmo tempo que aumenta seu repertório, Jum forma uma geração de estilistas de perfis diferentes. Além dos projetos sociais, ele dá aula na Fundação Armando Álvares Penteado e workshops. "Moda não é a roupa que se veste, mas o reflexo do modo como se absorve cultura e costumes. É a ponte para expressar o conteúdo na forma", diz ele, ainda com um certo ar de desaprovação do que vê por aí nos desfiles fashionistas. "Um dia volto às passarelas. Mas ainda não é a hora. Hoje, o estilista é obrigado a desprezar a moda para se encaixar num processo produtivo comercial, que é muito desgastante e difícil de manter. Ganha-se mais dinheiro com a marca do que com a coleção. Por isso, muitos estão quebrados. Não faz sentido."

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