De novo na estrada, cem anos depois

Em 6 horas, veículos antigos refazem o trajeto de 1908, a primeira viagem de carro do Estado, de SP a Santos

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Por Michel Escanhola
Atualização:

"Respeite os mais velhos. Velocidade máxima de 60 km/h, 100% original." Os dizeres no pára-choque de um Ford 1929 se confundiam entre as particularidades dos cerca de cem veículos antigos que refizeram ontem o trajeto realizado há um século, quando ocorreu a primeira viagem de automóvel de São Paulo. Mas, desta vez, não foram necessários machados, dinamites e cordas - itens sem os quais Paulo Prado, Antônio Prado Júnior, Bento Canavarro, Clóvis Glicério e o repórter do Estado Mário Sérgio Cardim jamais conseguiriam chegar a Santos em 17 de abril de 1908. Rubens Mathias, de 60 anos, e sua mulher, Vera Lucia Lima Rocha, de 60, fizeram questão de serem os primeiros a chegar. Às 7 horas, o casal estava em frente ao Centro Cultural São Paulo, ponto de partida na capital. Vestidos a caráter, ambos disputavam a atenção do público com a picape Ford 1928. Foram o centro dos olhares até o Simca Chambord 1960 do Vigilante Rodoviário chegar. Não bastasse a réplica do carro utilizado no seriado de grande sucesso dos anos 60, ao volante estava o próprio ator Carlos Miranda, protagonista da série. Para Miranda, as comemorações haviam começado um dia antes. Ele e seu Simca escoltaram cerca de 40 veículos antigos entre o Rio de Janeiro e São Paulo, refazendo o percurso do conde francês Lesdain, responsável pela primeira viagem de carro no Brasil, em 12 de abril de 1908 (leia abaixo). "Saímos do Rio às 8h30. Quinze minutos depois, meu carro ferveu. Chegamos a São Paulo por volta de 23h30, e o carro ferveu novamente. Tentei consertá-lo durante a noite, mas não sei se ficou bom", disse o ator, minutos antes de partir rumo a Santos. Foram necessários 40 minutos até o Simca ferver mais uma vez. "Ele é assim, meio esquentado", brincou o ator, após resolver o problema no acostamento da Via Anchieta. Assim como neste caso, a idade "pesou" para alguns modelos, que foram abandonando o passeio. Quem também esteve nas duas jornadas foi o empresário José Murici Neto, de 73, e seu Cadillac Coupê 1941. "É uma delícia pegar a estrada com ele. O motor tem oito cilindros em V e mais de 150 cavalos de potência", diz Neto, que representava o Veteran Car Club, do Rio de Janeiro, considerado o clube mais antigo do Brasil. E se os carros são antigos, a estrada não poderia ser diferente. Em grupos de dez, as raridades desfilaram pelas curvas fechadas da Estrada Caminho do Mar (SP 148), o que fez o trajeto, geralmente percorrido em uma hora, perdurar por quase seis. Mas ninguém tinha pressa. O empresário Maurício Santarelli, de 41, junto ao filho Kalil, de 8, mostrava seu fanatismo por modelos militares. Em frente ao Pouso Paranapiacaba (que, em tupi-guarani, significa "lugar de onde se vê o mar"), o empresário chamava atenção não só pelo seu Jipe 1951, mas pela farda improvisada, com direito a capacete. O Pouso Paranapiacaba também é conhecido como Casa da Marquesa. Mas a marquesa de Santos, Domitila de Castro Canto e Melo, nunca esteve no local, segundo o jornalista Sérgio Willians, que pesquisou durante dois anos a história da primeira viagem de carro em São Paulo. "A própria Estrada Caminho do Mar já foi chamada de Estrada da Maioridade, até 1846, e Estrada do Vergueiro, até 1865." A estrada velha, como muitos a conheciam, foi fechada em 1992. Emendando uma comemoração na outra, os modelos antigos realizaram um desfile simbólico em homenagem ao 59º aniversário de Cubatão, celebrado na quarta-feira passada. De lá, seguiram para Santos, passando por alguns pontos turísticos, como a Praça da Independência e o Centro Histórico. O ponto de concentração, antes de retornarem à capital, também é centenário: a Casa da Frontaria Azulejada, construída em 1865, que tem mais de 7 mil azulejos em sua fachada. E outra comemoração é preparada: a dos cem anos da primeira corrida no Brasil, em 26 de julho de 1908. Com 75 quilômetros de extensão, a prova foi do Parque Antártica ao centro de Itapecerica da Serra. OUTRAS VIAGENS Os modelos que realizaram o trajeto centenário estão no Centro de Exposições da Imigrantes, onde ocorre a mostra Evolução do Automóvel, que conta a história da indústria automotiva desde 1910. São mais de 400 veículos, expostos entre amanhã e quarta-feira. Um dos destaques é o Fiat 1927, o único no Brasil, ainda zero-quilômetro. A exposição fica no km 1,5 da Imigrantes, na zona sul. A exposição vai das 10 às 21 horas, com ingressos a R$ 10.

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