Decreto restringe fuzil e Exército vai decidir se arma poderá ser usada no campo

Bolsonaro baixa novo decreto, que veta armamento pesado para população comum; comando do Exército definirá em 60 dias parâmetros objetivos para a diferenciação de armas de fogo. Instituto critica e vê atuação atabalhoada da gestão federal

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Foto do author Luci Ribeiro
Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Luci Ribeiro (Broadcast), Marco Antônio Carvalho e Túlio Kruse
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro baixou nesta quarta-feira, 22, novo decreto, regulamentando a aquisição e o porte de armas de fogo no País. O texto anterior, que havia sido assinado em 7 de maio, apresentava brechas para que fuzis pudessem ser adquiridos pela população civil, o que causou críticas até de associações internacionais e o pedido de revisão por 14 governadores. A fabricante brasileira Taurus chegou a informar que 2 mil pessoas estavam na fila para adquirir o seu fuzil T4. De acordo com a Casa Civil, a posse do armamento pesado em área rural será avaliada pelo Exército.

Como justificativa para a nova edição, o governo federal alegou questionamentos no Judiciário, no Legislativo e na sociedade em geral. “Fizemos pequenas alterações, mas no mérito, na alma, o decreto continua o mesmo”, disse Bolsonaro à noite. A medida é alvo de pelo menos cinco decretos legislativos que buscam sua revogação e foi questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF) e no Supremo Tribunal Federal (STF) por dois partidos.

O texto aprovado no Senado permite que os proprietários de imóveis rurais tenham arma de fogo em toda a propriedade e não apenas na sede, como previsto na legislação atual Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A tendência é de que os questionamentos continuem. O novo decreto manteve em grande parte o que era criticado por especialistas e associações nacionais e internacionais, como a Anistia, chegando a ampliar o número de categorias que poderão, por exemplo, requerer o porte de arma para circulação nas ruas. Pela regra que passa a ser vigente, podem portar armas políticos, advogados, jornalistas, guardas de trânsito, conselheiros tutelares e guardas portuários, entre outros.

O material distribuído pela Casa Civil à imprensa nesta quarta-feira informava que a aquisição das chamadas armas portáteis (fuzis, carabinas e espingardas) seria concedida “apenas para domiciliados em área rural”. Na ocasião, especialistas ouvidos pelo Estado observaram que não havia elementos claros no documento para explicar essa autorização. Nesta quinta-feira, a assessoria da Casa Civil afirmou que havia um "erro formal" no material distribuído à imprensa e que o uso de fuzil no campo ainda será avaliado pelo Exército.

Para o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, as recorrentes mudanças mostram que o governo federal não lidou da forma devida com o tema. “O terceiro decreto (considerando o primeiro texto com flexibilizações, baixado em janeiro) mostra que o governo está tratando o assunto de forma atabalhoada e sem a análise técnica necessária.” Para ele, a inconstitucionalidade se mantém. “O consenso é de que não se pode estender porte a tantas categorias sem alteração na lei.”

Em nota, o Instituto Sou da Paz recomendou a imediata revogação. “O desejo obsessivo que demonstra o governo por uma verdadeira corrida armamentista só atende a uma minoria radicalizada, à indústria e ao comércio de armas e munições e às organizações criminosas, que terão acesso farto e generoso com a maior circulação de armas no País. O governo ignora evidências óbvias de que aumentará nossa já insuportável violência cotidiana.”

Parâmetros

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O governo determinou que o Comando do Exército estabeleça em 60 dias parâmetros objetivos sobre a diferenciação de armas de fogo de uso permitido e de armas de uso restrito, assim como a lista dos calibres para cada categoria. Com isso, a gestão Bolsonaro pretender dar mais clareza ao tema, deixado de forma imprecisa no decreto anterior. A indefinição abria a possibilidade até de que pessoas condenadas por uso de armas de fogo de uso restrito pedissem revisão criminal e redução da pena. 

Principais mudanças no Decreto das Armas de Bolsonaro

  • Tiro esportivo Versão anterior:  O esporte estava liberado para menores de 18 anos, o que incluía crianças, e era necessário a autorização de apenas um dos responsáveis Novo decreto: Idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo, agora com a exigência de autorização de ambos os responsáveis - ou por apenas um deles, na falta do outro
  • Porte de armas Versão anterior: Além de caçadores, atiradores esportivos, colecionadores e praças das Forças Armadas, poderiam portar armas uma lista de 19 profissionais, incluind advogados, residentes de área rural e profissionais de imprensa Novo decreto: Agora, somente atividades profissionais consideradas "de risco", podendo ser vítimas de delito ou sob grave ameaça, poderão portar armas; também será preciso comprovar a efetiva necessidade do porte
  • Anac Versão anterior: a responsabilidade de estabelecer normas de segurança para passageiros armados e fiscalizá-los havia sido tirada da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e transferida para os ministérios da Defesa e da Justça Novo decreto: Devolve à Anac as atribuições de segurança e também de fiscalização para controlar o embarque de passageiros armados.

 

Estande da Taurus em feira de armas no Rio, no mês de abril. Foto: Ricardo Moraes/Reuters - 2/4/2019

​Outras mudanças

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O decreto revisado ainda fixa idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo por adolescentes, agora com a exigência de autorização de ambos os responsáveis, ou por apenas um deles, na falta do outro.

No primeiro decreto, o esporte estava liberado para menores de 18 anos, o que incluía crianças, e era necessário a autorização de apenas um dos responsáveis. A autorização judicial que no passado era obrigatória caiu no primeiro decreto e não foi retomada na nova versão.

Na  versão anterior, Bolsonaro facilitou o porte de armas de fogo para uma série de categorias de profissionais e não só para caçadores, atiradores esportivos, colecionadores (CACs) e praças das Forças Armadas, como foi destacado inicialmente pelo governo.

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Na lista, há advogados, residentes de área rural, profissional da imprensa que atue na cobertura policial, conselheiro tutelar, caminhoneiros,profissionais do sistema socioeducativo e políticos. 

Segundo o Planalto, o novo decreto estabelece "o rol exemplificativo de atividades profissionais que estão inseridas em uma conjuntura que ameace sua existência ou sua integridade física em virtude de vir, potencialmente, a ser vítima de um delito envolvendo violência ou grave ameaça".

A comprovação da efetiva necessidade do porte, diz a gestão Bolsonaro, se dá pela demonstração do exercício da atividade profissional de risco. 

Onovo decreto também devolve à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) as atribuições de estabelecer as normas de segurança a serem observadas pelos prestadores de serviços de transporte aéreo de passageiros, para controlar o embarque de passageiros armados e fiscalizar o seu cumprimento. No decreto original, essa responsabilidade havia sido tirada da agência e transferida para os ministérios da Defesa e da Justiça. 

O órgão federal de aviação e a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) haviam se posicionado de forma contrária à mudança de regra. Segundo a Anac, o Brasil segue protocolos internacionais sobre o embarque de passageiros armados. / COLABOROU AMANDA PUPO

Correções

A matéria foi alterada para corrigir a informação de que produtores rurais poderão usar fuzis. A informação havia sido divulgada pela Casa Civil nesta quarta-feira, em material distribuído à imprensa. Nesta quinta, a assessoria informou que houve um erro no material e que o Exército ainda avaliará o porte de fuzis no campo.

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