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Depoimento: 'PCC promete sustentar a família dos venezuelanos lá fora'

Agente da Penitenciária Monte Cristo narra funcionamento de facção no interior da unidade e cobra melhorias estruturais

Foto do author Marco Antônio Carvalho
Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:

BOA VISTA - "Estou no PAMC há três anos, período que coincide com a tomada do presídio pelo PCC. Há quatro anos, eles chegaram. Interessante é que, como não havia essa rixa com o Comando Vermelho, muitos dos que morreram em janeiro haviam convivido até na mesma cela que seus algozes. Quando aconteceu aquilo em Manaus, resolveram dar a resposta atacando os integrantes do CV, do Comando da Maioria, facção local ligada à Família do Norte e ao CV. Para a nossa surpresa, o PCC matou todos.

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Monte Cristo. Novo presídio está em fase de planejamento Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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Sobre os venezuelanos, a maioria chega com crime pequeno, mas isso é o pior. Os caras do PCC os abordam e os convertem. Prometem que vão sustentar a família lá fora. Lá é mais fácil para armamento e droga. Como o cara não vai aceitar? Muitos que caem lá é porque estão passando fome mesmo, um cara que roubou um celular, uma moto. Fala que não tem emprego, fala que tem de mandar dinheiro para a família que está lá – 90% é desse perfil. Vai convidar e o cara vai aceitar, diz que vai sustentar a família lá fora. E, para pagar a mensalidade, alguém vai ter de assaltar. É um ciclo.

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O que mudou depois do massacre foi a nossa relação com os presos. Antes, havia certa confiança porque entrávamos diariamente, à noite até. Hoje, não existe mais isso. Só entramos com escolta da PM, em operações. Somos oito agentes por equipe de plantão e, na última contagem, estavam em 1.213. Acredito que era para haver uns 50 agentes para essa população. Mas isso não existe.

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Prometeram um presídio novo, mas isso nunca saiu do papel. E não tem nenhuma reforma lá dentro, só para inglês ver. O que acontece é que hoje estão rebocando uma ala que foi queimada. E, de 1984, ano da inauguração, para cá, tudo que foi feito foi no ano passado com a construção de uma muralha que dividiu o presídio ao meio. O Estado tem poder do muro para cá. Do muro para lá, quem dita a regra são eles. Não conseguimos mais entrar, só com reforço da PM e durante o dia. 

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E mesmo quando entramos, cinco minutos depois de sairmos eles já estão todos soltos porque conseguem abrir os cadeados por dentro das celas, isso é sabido pela administração penitenciária. Acharam um túnel nesta semana (início de dezembro) e que era fora do pavilhão. Como ele estava sendo cavado? Os presos ficam soltos. 

Hoje, o Estado não tem mais controle sobre isso. Quem manda lá dentro é o PCC, tem a arrecadação. São bem articulados. Comandam o tráfico e o crime organizado aqui. Infelizmente, o Estado perdeu, mas ainda pode ser feita alguma coisa. Precisa por bloqueador de celular no presídio, quebrava as pernas desses caras. Como vão ter comunicação? Como ia coordenador o tráfico? O Estado tem que fazer alguma coisa. 

No dia após o massacre, entramos lá e de repente escutamos um homem gritando no pavilhão. Estava com o cadeado fechado e dentro da cela. Nos contou depois que estava na lista de alvos do PCC, mas teve a sorte de sobreviver. Quando chegaram a sua cela, não conseguiram abrir o cadeado, estranhamente. Tentaram e desistiram, prometendo voltar em seguida. Não voltaram e ele só foi resgatado quando nós entramos após o fim da rebelião. Ele disse que escutava os gritos das vítimas. 

O poder deles só vem crescendo e aqueles que descumpre as regras ou é morto ou vem pedir segurança para ficar na carceragem em uma ala separada. Trabalhamos sob o máximo grau de estresse. Vivemos numa tensão total, qualquer hora pode acontecer um novo ataque lá. O que tinha de ser feito é destruir aquele presídio e fazer um novo. A parede das celas são como as da minha casa, de barro, cimento e tijolo. O recursos vieram e nunca foram usados. Nem com o massacre foram capazes de construir um presídio novo. Talvez estejam esperando que mais 33 morram.”

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