Desacelere e cobre-se menos

O excesso de rigor com o próprio desempenho e a permanente preocupação com os desafios do dia a dia podem custar caro

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Por Marcos Rogerio Lopes
Atualização:
4 min de leitura

A executiva que revisa um memorando enquanto responde e-mails e toma decisões importantes pelo celular, o diretor de teatro, escritor e cineasta que parece viver mais do que 24 horas por dia para dar conta de tantas funções e o jovem de 16 anos que bombou com uma selfie mostrando sua estreia na faculdade de Medicina. Três exemplos fictícios de pessoas hoje admiráveis por estarem com o pé no acelerador, mas possíveis candidatas a problemas graves de ansiedade. 

Profissionais de diversas áreas defenderam mais espaços na agenda Foto: Felipe Rau/Estadão

O que você faz depois da meia-noite? Será que não dá para aproveitar seus minutos de folga para um trabalho extra? “Hoje em dia temos de equilibrar vários malabares ao mesmo tempo. Em vez de nos entendermos e percebermos o que realmente gostaríamos de fazer, mergulhamos em inúmeros compromissos, traçamos metas e mais metas e, no final, nos sentimos perdidos”, disse o psiquiatra da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Neury Botega.

Ele e outros especialistas de diversas áreas participaram no último dia 29 do Fórum Precisamos Falar Sobre Ansiedade, realizado pelo Estado em parceria com a Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), na capital paulista. Opinião unânime foi a de que, ainda que existam formas diferente de reagir à pressão e aos desafios, desacelerar deveria ser o objetivo de todos.

“A ansiedade nos prepara para os desafios do dia a dia e nos alerta dos perigos”, explicou o psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas Luiz Vicente Figueira de Mello. Esse “serviço” da natureza começou a desandar, no entanto, quando o ser humano passou a utilizá-lo a todo momento, sem controle. “Alguém permanentemente ansioso perde a liberdade de ação e precisa de tratamento”, afirmou.

A pressão social, do mercado ou da família encontra em pessoas predispostas geneticamente o ambiente perfeito para a doença, que, se não tratada, pode levar à depressão.

Há doentes em todas as faixas etárias. Quando se formou, há 37 anos, Neury Botega não via jovens sofrendo problemas de adulto. “Eu hoje trato criança com síndrome do pânico.”

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O drama não para por aí, disse Botega. Em situações extremas, a vítima perde a esperança na vida e sua visão de futuro se estreita. “Se até Deus me abandonou, pensa o paciente, o suicídio acaba sendo em sua cabeça a única saída.”

Noção de tempo

Para Figueira de Mello, é natural se sentir pressionado por prazos e bons desempenhos, mas “não precisa ser tão paulistano”. Ele é dono de um sítio no interior de Minas Gerais e admite sofrer quando precisa de trabalhos simples na região. Recentemente, um conserto de uma cerca que queria “para ontem” demorou semanas. “Cada lugar tem sua noção temporal”, justificou o médico.

Uma coisa é se cobrar, outra é não conseguir dormir ou ter problemas físicos por causa disso. “Quando a ansiedade começa a mandar em você é hora de buscar ajuda”, orientou o psiquiatra Daniel Martins de Barros, colunista do Estado

A vítima perde o comando quando as constantes preocupações passam a afetá-la com falta de sono, indisposição durante o dia, irritação e permanente desconforto. A ansiedade também trava o raciocínio, permitindo que uma ideia fixa se imponha sobre as outras, e pode causar tonturas, suor exagerado e palpitações. 

Preconceitos

Os sintomas aparecem, mesmo assim muitos fogem do tratamento. Às vezes, por puro preconceito. “Ainda há o pensamento de que só louco vai ao psiquiatra”, contou Martins de Barros, que lembrou outros mitos ouvidos em seu consultório, como medo de engordar, de ficar viciado ou de impotência sexual.

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O tratamento permite que o paciente viva bem e, em alguns casos, tenha alta, livrando-se para sempre das crises. Mas há doentes crônicos, para os quais a medicação será dada a vida toda. 

Os psiquiatras comentaram que não adianta nada o sujeito se sentir bem e se jogar nas mesmas práticas que o levaram a agravar o quadro. Em outras palavras, comprar e tomar os remédios não pode se tornar mais uma em sua extensa lista de obrigações diárias. Talvez seja hora, além disso, de deixar mais espaços na agenda e sair de redes sociais que ocupam boa parte de sua atenção. 

E reduzir drasticamente o café. “A cafeína é um estimulante bastante prejudicial”, revelou Martins de Barros. Ele acrescentou que outras drogas podem aumentar o drama do ansioso. “Ocorre algumas vezes de as pessoas começarem a usar álcool e maconha para aplacar os desconfortos e acabam se tornando dependentes químicas.” 

Primeiros sinais

Para Martins de Barros, é possível perceber a predisposição genética já nas crianças e nos jovens. “No colégio, há o garoto que tira nota 10 e pensa: ‘Beleza, agora posso levar zero na próxima prova que fico na média’. E tem o outro que se sente na obrigação de repetir o 10, porque a cobrança vai ser maior. O sarrafo subiu.” 

Ele pediu atenção redobrada dos professores a alunos que se mostrem sempre dispersos, nervosos ou que abandonem tarefas pela metade. “Em diversos momentos, é, sim, necessário chamar os pais desse rapaz ou moça para conversar. O problema talvez esteja em casa.”

A fonte das preocupações pode ser pais que exigem bons desempenhos de seus filhos por esperarem realizações que eles não conseguiram. Um pouco de insegurança com um toque de esperança e finalizado com muita cobrança. “Nunca se mirou tanto o futuro e isso afeta diretamente a vida das crianças, o tempo todo avaliadas”, declarou a psicóloga Rosely Sayão.

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Além da família, ela põe a culpa do estímulo à ansiedade em escolas e professores, que acabam cobrando dos alunos resultados superiores que servem para melhorar o conceito da instituição de ensino.

A psicanalista e professora da Faap, Maria Homem, disse que satisfazer aspirações alheias não é exclusividade dos mais novos. “Estamos condicionados a suprir desejos que não são nossos.” De acordo com sua análise, as propagandas, o culto às celebridades e a veneração da felicidade na internet criaram um roteiro do que deve ser almejado. Para ela, a sociedade contemporânea criou uma necessidade de aceitação que sufoca os indivíduos.

O historiador Leandro Karnal acredita que os jovens de hoje, como seus pais, precisam parecer sempre felizes e realizados nas postagens das redes sociais, criativos em tempo integral e donos de corpos perfeitos. “Vivemos a teologia do empreendedorismo. Com ela você aprende que basta o desejo para ser um pianista perfeito ou um Leonardo da Vinci. E, claro, ainda precisa ser magro! 

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