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Desamparados seguem desamparados

Reportagem testa funcionamento de rede que deveria proteger menores de rua e fica sem solução para problema

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) chega hoje à maioridade (veja seus principais pontos na pág. C10). Ainda que ele tenha proporcionado muitos ganhos nesses 18 anos, ainda é possível constatar a dificuldade em garantir direitos aos menores. É só olhar em volta: pelo menos 1.842 jovens paulistanos, nas contas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), passam despercebidos pela sociedade e pelo poder público, apesar de povoarem os cruzamentos pedindo esmolas ou fazendo malabares. Na cidade, 1.040 menores só vão às ruas para trabalhar. Outros 802 são os que perderam vínculo familiar e não querem voltar para casa. Ao menos dez deles ganham a vida nos semáforos da Praça José Vieira, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Estão lá diariamente, dia e noite. Mesmo assim, nenhum órgão público procurado pela reportagem na semana passada tinha cadastro das crianças. Decidida a testar o alcance do ECA, a reportagem procurou órgãos que deveriam prestar atenção nesses jovens, para ver o que de fato é feito. Informada de que entre o grupo estão muitas meninas, algumas tão pequenas que nem alcançam o vidro dos carros, o Conselho Tutelar da Lapa, responsável pela área, disse que encaminharia o problema ao Programa São Paulo Protege, mantido pela Prefeitura. "Com esse relato ao conselho tutelar, eles não têm de mandar ?alguém?. Um conselheiro tem de ir pessoalmente. É para isso que são pagos", diz o professor e filósofo Mário Volpi, consultor e coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil. Crítico do modelo de assistência à infância adotado por algumas cidades, como São Paulo, Volpi diz que a capital precisa criar um programa sistemático e estruturado, com educadores que criem vínculo com crianças e adolescentes de rua. "Estar na rua em São Paulo representa situação de risco. O Município tem a responsabilidade de atender essas crianças. E não pode dizer que não é responsável por elas." Em contato com o São Paulo Protege, único órgão a pedir um telefone para dar retorno, se houvesse solução, a informação foi de que uma equipe iria ao local verificar se as crianças estavam com os pais. Se não estivessem, seriam convidadas a ir para um Centro de Referência da Criança e do Adolescente. Na prática, se não aceitassem ir para o abrigo, não haveria o que fazer. Diante disso, a reportagem telefonou, sem se identificar, para mais quatro órgãos: duas promotorias do Ministério Público, Disque-Denúncia e SOS Trabalho Infantil. No primeiro, a Promotoria de Interesses Difusos disse que o problema deveria ser discutido com a Promotoria da Infância, no Fórum João Mendes. Lá, a atendente disse que a denúncia poderia ser encaminhada pela internet, mas não soube informar de que forma. Os dois últimos órgãos sugeriram encaminhar a questão ao conselho tutelar mais próximo. Foi necessária uma hora ao telefone para se chegar à conclusão de que muito pouco poderia ser feito.

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