Desastre de Brumadinho abala sonho de jovens de ter um emprego na Vale

Entre as vítimas da tragédia, há pessoas que sonhavam em trabalhar na mineradora

PUBLICIDADE

Por Giovana Girardi
Atualização:
Jefson Pereira Soares, de 19 anos, começaria a trabalhar na Vales em março: "Agora, jamais" Foto: Giovana Girardi/Estadão

BRUMADINHO - Em um Estado que se chama Minas - porque elas são muitas, e gerais -, e em uma cidade em que a principal atividade econômica é a mineração, não é de se estranhar que entre os planos de muitos jovens de Brumadinho estivesse o de conseguir um trabalho na instituição que mais empregava por aqui, a Vale. O desastre do rompimento da barragem no último dia 25, apenas três anos após o desastre de Mariana, abala as certezas e o futuro dessa moçada e da cidade, que já pensam em como vão se reinventar.

PUBLICIDADE

Assim como é praticamente impossível achar alguém na cidade que não conheça alguém entre os mortos e desaparecidos, entre os jovens é comum a fala de que ou eles mesmos ou amigos tinham intenção de conseguir um emprego lá - onde pais, tios, primos ou amigos também já estavam.

A lista de mortos da tragédia que eram alunos da Faculdade ASA simboliza bem isso. Dois rapazes já funcionários da Vale tinham se matriculado no curso de Engenharia da Produção no dia anterior ao rompimento da barragem. Eles estavam empolgados na hora da matrícula e contaram que tinham decidido ingressar no curso justamente para melhorarem sua formação e subirem na carreira. 

Mais dois alunos do mesmo curso e um da engenharia civil também estão entre as vítimas. Também morreu a estudante de enfermagem Letícia Mara Anizio de Almeida, de 28 anos, que tinha conseguido poucos meses antes um trabalho na área na empresa. Amigos contam que a Vale era o sonho dela. Letícia deixou marido e um bebê de pouco mais de um ano.

O barbeiro Marcos Paulo Pereira Medeiros, de 29 anos, conta que perdeu 10 amigos no acidente Foto: Giovana Girardi/Estadão

A instituição também formou, nos últimos anos, pelo menos dez turmas de técnicos em formação. O professor Sandro Mauricio Lopes, de Mecânica e Mineração, contou pelo menos 21 ex-alunos entre as vítimas. "Aí parei de contar. Certamente tem mais. Cheguei a ter uma turma da Mecânica em que 90% dos alunos eram funcionários da Vale. Todos os que passam por aqui tem esse sonho. A gente comemorava junto com eles quando conseguiam um estágio lá. Eles vinham orgulhosos com camiseta, com lap top com adesivo da empresa", lembra, emocionado.

Ele conta que quando houve o acidente em Mariana, os estudantes ficaram impactados, mas não preocupados. "Aqui se achava que não havia risco. Agora vai tudo mudar."  Relatos como esse são ouvidos em toda a cidade. No domingo, 10, enquanto participava de um mutirão de ajuda a famílias afetadas pelo rompimento da barragem no Córrego do Feijão, o barbeiro Marcos Paulo Pereira Medeiros, de 29 anos, contou que perdeu pelo menos 10 amigos na tragédia. Ele mesmo chegou a trabalhar na Vale por quatro anos. Saiu por causa de demissões durante a crise econômica e descobriu uma nova profissão como barbeiro. "Quem está vivo hoje pode agradecer a Deus por nunca ter conseguido o emprego que tanto queria", afirmou.

Jefson Pereira Soares, de 19 anos, que trabalha em uma fazenda de produção orgânica, há tempos tentava uma vaga na empresa. Tinha acabado de conseguir uma posição em uma empreiteira. Começaria em março operando roçadeiras. Apesar de ser categórico de que "agora, jamais" tentaria um emprego em uma mineradora, admite que a falta de oportunidade na região pode acabar servindo como pressão. "Acho que depois que a poeira baixar, se muita gente estiver desempregada, as pessoas vão querer voltar."

Publicidade

Soares trabalha em uma fazenda, em Brumadinho, de Marcia Cambraia Godoy, que tem uma das mais antigas lojas de orgânicos de Belo Horizonte, a João Caipira. Diante do desastre, ela agora espera poder ajudar na reconstrução da cidade com uma nova perspectiva. Ela diz esperar que a agricultura possa surgir como um "tratamento" para as feridas da mineração. 

"Fazemos um trabalho de agricultura orgânica, biodinâmica num entorno em que a juventude, as pessoas que já trabalharam comigo sonharam a vida inteira em trabalhar com isso. Mas queremos agora conseguir mostrar que onde elas têm tranquilidade, tem saúde, é dentro da fazenda. Pensamos agora em como a agricultura pode melhorar o entorno", diz.

Eduarda Ribeiro, 20 anos, conseguiu seu primeiro emprego como condutora-guia do Inhotim, mas já pensou em trabalhar na Vale Foto: Giovana Girardi/Estadão

Turismo pode ser alternativa econômica

Outra atividade que espera conseguir se apresentar como uma alternativa econômica forte para a região é o turismo. O atrativo principal para isso já existe e já movimenta esse lado da cidade: o Instituto Inhotim, que reabriu as portas no último sábado, após ficar duas semanas fechado em respeito às vítimas e a seus funcionários, a maioria da cidade.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Na reabertura, tanto o o diretor-executivo do museu, Antonio Grassi, quanto o diretor do Jardim Botânico, Lucas Sigefredo, manifestaram empenho em ajudar na reconstrução da cidade. "Os jovens daqui sempre quiseram trabalhar na mineração, e Inhotim criou uma nova perspectiva. Hoje, praticamente todo jovem busca seu primeiro emprego aqui. Queremos projetar Brumadinho já em outra natureza econômica", diz Sigefredo.

Eduarda Ribeiro, 20 anos, é uma dessas jovens que conseguiu seu primeiro emprego no Inhotim, como condutora-guia. Mas tão logo foi aprovada no curso de Ciências Contábeis, no começo deste ano, admite que pensou: "Eu bem que poderia conseguir um estágio na área administrativa da Vale". Vários de seus amigos, diz, tinham como meta de vida trabalhar lá. "Apesar de tudo, é um emprego que todo mundo queria." Ela, que perdeu quatro primos e alguns amigos no desastre, espera agora conseguir permanecer no Inhotim. "A gente vai onde tem emprego pra gente."

Larissa Solha, de 23 anos, acredita que o turismo poderia trazer um novo impulso para a cidade Foto: Giovana Girardi/Estadão

Larissa Solha, de 23 anos, e o marido, Vitor Santos Maia, de 22 anos, que comandam a pousada Recanto do Rio, na beira do Paraopeba, também têm essa expectativa de que o turismo possa trazer um novo impulso para a cidade em seu processo de reconstrução. Os dois relatam que nunca tiveram planos de trabalhar com mineração. Larissa, pelo contrário, foi estudar geologia justamente porque queria pensar um uso mais sustentável dos recursos minerais. "E não com a degradação ambiental que temos aqui." 

Publicidade

Hoje, porém, eles estão preocupados que o próprio turismo também seja prejudicado. A pousada deles fica numa charmosa curva do rio e já teve todas as reservas canceladas até o carnaval. "Estamos um pouco travados, ainda sentindo o baque, para pensar como vai ser daqui para frente. Mas esperamos poder reerguer a cidade com um projeto melhor", afirma Larissa.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.