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Descoberto arsenal de tortura na Febem

Por Agencia Estado
Atualização:

Sete meses depois da descoberta de objetos de tortura na Febem de Parelheiros, na zona sul da capital paulista, o que resultou no fechamento e no pedido de prisão de 14 funcionários, a Promotoria da Infância e Juventude encontrou novos indícios de violência praticada contra os adolescentes, desta vez em Franco da Rocha. Em vistoria às unidades 30 e 31 do complexo, os promotores Wilson Tafner, Ebenézer Salgado Soares e Sueli Riviera acharam, escondidos no almoxarifado da instituição, um arsenal de tortura. Cerca de 30 objetos, como cabos de enxada, pedaços de madeira, cassetetes improvisados feitos com pedaços de cano enrolados com fita crepe, medalhões de ferro e até cassetetes da Polícia Militar, compunham o material usado contra os menores. "O que encontramos em Parelheiros é fichinha perto do que pegamos hoje aqui", diz Tafner. "É inacreditável, uma vergonha, um absurdo." Tudo escondido Os objetos apreendidos foram encaminhados à delegacia de Franco da Rocha, onde foi registrado um boletim de ocorrência. O delegado Aluízio Salote irá instaurar inquérito policial para investigar o caso. "As duas funcionárias do almoxarifado e a diretoria terão de explicar como aqueles objetos foram parar lá dentro", diz o promotor Ebenézer Soares. "Estava tudo escondido embaixo de uma estante, em uma sala à qual só os funcionários têm acesso." A Promotoria de Infância e Juventude irá encaminhar à Promotoria Criminal de Franco da Rocha depoimentos colhidos das mães e dos adolescentes internados nas unidades, além de fotografias feitas nesta quinta-feira na unidade, para que sejam anexados ao inquérito. Nas imagens feitas pelos três promotores, os adolescentes exibem hematomas e ferimentos pelo corpo. "As imagens são degradantes. Eles pouco falam porque depois sofrem retaliações", diz Sueli. "Nós recebemos denúncias, vamos averiguar, encontramos vários meninos feridos e, quando saímos de lá, eles apanham de novo porque nos mostraram os machucados. Tem sido assim." Mães A visita ao complexo de Franco da Rocha foi motivada pela denúncia feita por um grupo de 20 mães ao Ministério Público Estadual, na segunda-feira. Elas informaram sobre relatos de sessões de torturas e disseram que, na visita do sábado, os filhos e colegas exibiam diversas marcas de ferimentos pelo corpo. Relataram o tumulto ocorrido durante a visita, quando cerca de 30 monitores, segundo elas, tentaram conter os meninos, com cadeiras e pedaços de pau. Entre as mães de adolescentes internados em Franco da Rocha, o clima é de medo. "Estou tentando a transferência do meu filho para o Tatuapé, disse M.L.C., cujo filho, de 17 anos, está há cinco meses em Franco da Rocha. Ela relatou o que ouviu do filho, na última visita que fez a ele, no sábado: "Estão me maltratando aqui, mãe. Aqui a gente apanha sem ter motivo." Menos roxo D.M.P., mãe de um adolescente de 17 anos, internado há um mês em Franco da Rocha, disse que o filho tem ferimentos no cotovelo joelhos e tornozelos. Ele contou à mãe que os monitores batem nas articulações, onde "fica menos roxo", com cabos de enxada. "No domingo, tinha um garoto que não conseguia levantar. Precisava dois para segurar ele em pé", diz. "Eles dizem que se passar pelo monitor e não chamar de senhor, apanha." Segundo Conceição Paganela, da Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar), as denúncias nunca deixaram de existir. "Mas nós não temos abertura para passá-las à Febem. A diretora não nos recebe. Esse governo fechou as portas da Febem para todas as entidades de direitos humanos. Agora, sabemos o porquê". Segundo ela, há dois anos, a Amar não tem acesso às unidades. Responsabilidade da direção O advogado Ariel de Castro Alves, da seccional paulista da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), declarou que pedirá explicações à Febem. "A Febem deve explicações públicas à sociedade do porque que adolescentes que estão sob a guarda e a custódia do Estado estão sendo torturados", diz. "Deve-se apurar a responsabilidade não apenas de funcionários, mas da direção." As unidades vistoriadas foram a 30 e a 31, que abrigam cerca de 320 adolescentes em cada uma delas, o que já é irregular. O Estatuto da Criança e do Adolescentes determina unidades pequenas, com até 50 pessoas, e espaço para atividades sócio-educativas. Não é o que se vê lá. Greve, rebelião e política pedagógica A ação da promotoria provocou tumulto em Franco da Rocha. Os cerca de 150 funcionários ameaçaram greve. Segundo o presidente do sindicato de funcionários da Febem, Antônio Gilberto da Silva, eles irão encaminhar ao Ministério Público um documento pedindo a permanência de um promotor da Infância e Juventude em tempo integral na unidade de Franco da Rocha pelos próximos 30 dias. Segundo ele, existe a possibilidade de uma rebelião. "Se a promotoria não responder, vamos parar na segunda-feira", prometeu. Em nota oficial, a Febem informou que foi aberta sindicância para apurar a origem do material e que 700 funcionários foram demitidos em 2001 e outros 600, em 2002, por "inadequação". Informou que Franco da Rocha abriga reincidentes graves e diz ter uma "política pedagógica e socioeducativa".

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