Desrespeito aos direitos humanos começa no berço, diz USP

Relatório do Núcleo de Estudos da Violência mostra os abusos em diferentes grupos e fases da vida; ONGs lutam contra estigma de defender bandidos

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Por Agencia Estado
Atualização:

O 3º Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil, divulgado na quinta-feira, 15, aponta que aumentaram as chances de o brasileiro ter os direitos violados desde o nascimento. Nascer e viver com dignidade nos 26 Estados do País e no Distrito Federal está cada dia mais difícil. O documento foi organizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e pela Comissão Teotônio Vilela. Os dados, que levam em conta o período de 2002 a 2005, revelam amplos abusos em diferentes grupos em todas as fases da vida de todos os Estados do País. Começa ao nascer, abrange a criança, o jovem, o adulto e o idoso, além de minorias, como índios e negros. A qualidade das informações que permitem diagnosticar o problema melhorou. Dados de homicídio, abuso sexual de crianças, trabalho escravo e conflitos no campo são atualmente mais confiáveis do que os que abasteceram o relatório feito entre 1999 e 2002. ?Houve um recesso nos direitos humanos no Brasil. Nos anos 90, a iniciativa dos Estados e da União gerou políticas públicas como ouvidorias de polícia, programas de apoio à vítima, delegacias femininas e aumento das penas alternativas. Parecia que seguíamos um rumo sólido. Mas essas políticas se enfraqueceram e ficaram de lado nesta década?, diz o professor Paulo de Mesquita Neto, coordenador do relatório. Começa no berço O estudo mostra que a violação dos direitos humanos no Brasil começa no berço. Quatro em cada dez recém-nascidos no Amazonas não são registrados - o maior índice do País. Quando o governo não reconhece legalmente a existência da criança, ela não se beneficia de políticas públicas. O sub-registro é um problema que atinge 16% dos bebês brasileiros, no geral. A criança brasileira enfrenta os riscos de pegar no batente logo cedo e ficar longe da escola. Em 1995, 18,7% da população entre 10 e 14 anos trabalhava. Esse número despencou para 6,6% em 2000, mas voltou a crescer e chegou a 10,1%, em 2004. O Nordeste e o Sul puxam a média brasileira para cima, com 15,2% e 12,5% de crianças no trabalho, respectivamente. Ainda criança, o brasileiro corre o risco de ser abusado ou explorado sexualmente. Entre 2003 e 2006, foram feitas 13.763 denúncias de abuso e exploração sexual de crianças no Brasil. A coleta de dados resulta de um serviço de disque-denúncia que foi criado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Em 2004, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista da Câmara, que investigou redes de exploração sexual de crianças e adolescentes, identificou em Joinville (Santa Catarina) conivência de autoridades policiais que eram clientes de uma das casas de prostituição da cidade. A vida permanece vulnerável durante a juventude. São os jovens entre 18 e 24 anos que mais morrem por arma de fogo no Brasil. Em 2004, foram assassinados 18.599 nessa faixa etária, o que representa 38,4% dos homicídios no ano. No Espírito Santo, a violência atinge também as mulheres. O Estado lidera o ranking de assassinatos femininos, com oito casos por 100 mil habitantes. Em segundo vem Mato Grosso e em terceiro, Pernambuco. Zona rural Sofrem violações de direitos tanto moradores do campo como da cidade. Na zona rural, a violência é em decorrência de conflitos por terra, que aumentaram em 2005, afetando mais de 1 milhão de pessoas, com 102 mortes. Em 2002, foram mortas 52 pessoas. Nos grandes centros, que concentram a maior parte dos assassinatos, a ameaça vem também da polícia. No Rio e em São Paulo, entre 2002 e 2005, 6.979 civis foram mortos por policiais. Problemas que deveriam ter sido superados no século passado ainda persistem. O trabalho escravo cresceu em 2005, atingindo 7.707 brasileiros, contra 5.550 em 2002. O ano de 2003 foi o mais problemático, com mais de 8 mil trabalhadores escravos. Maranhão e Bahia lideram o ranking. Mas a falta de informações predomina: 14 Estados não apresentam dados sobre escravidão. Nas prisões, permanece a velha máxima de que os presos têm direito a não ter direitos. Há superlotação nas penitenciárias de 24 Estados brasileiros e do DF. São Paulo, que no ano passado enfrentou uma onda de ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), liderou, em 2005, a lista dos Estados que apresentam o maior déficit de vagas no sistema. Faltam 49.124 vagas. Apenas Piauí e Tocantins têm vagas para presos sobrando. Luta das ONGs Estigmatizados nos anos 80 por defender o direito de presos, o que rendeu aos militantes a pecha de defensores de bandidos, os grupos e organizações não-governamentais (ONGs) de direitos humanos lutam até hoje para resolver o mal-entendido com a população. ?Agora há todo um esforço do militante para mostrar que estamos do lado de quem sofre. Precisamos partir para ações práticas e propor políticas públicas eficientes em defesa das vítimas da violência?, afirma o ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos, José Gregori. O coordenador do estudo da Universidade de São Paulo (USP), Paulo de Mesquita Neto, também procurou lidar com esse problema apontando no relatório políticas públicas bem-sucedidas em diversos Estados. A intenção é orientar os governantes sobre medidas que possam ajudar atacar o problema. ?A violação dos direitos fragiliza a democracia brasileira e estimula a violência. Os governantes devem usar esses dados como um diagnóstico da realidade e partir deles para implementar soluções eficazes.?

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