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Diário de Brumadinho: barulho de caminhão substitui helicópteros e passarinhos

'Estado' voltou à cidade um ano depois da tragédia que deixou mais de 200 mortos e encontrou um cenário diferente

Por Giovana Girardi (texto) e Tiago Queiroz (fotos)
Atualização:

BRUMADINHO, dia 356 - Era 25 de janeiro de 2019, às 12h28. Funcionários da Vale almoçavam quando a barragem de rejeitos B1 da mina do Córrego Feijão se rompeu

Um ano após a tragédia, o vai e vem de caminhões é constante no local por onde a lama passou Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A lama arrastou o refeitório e toda a área administrativa da empresa, assim como parte das comunidades local e vizinhas. O córrego que dava o nome à mina, até então um fio de água, se transformou em instantes em um tsunami de lama. A força foi tão intensa que derrubou um pontilhão por onde passava uma estrada de ferro acima do córrego. Os restos do concreto e dos trilhos foram parar um quilômetro e meio à frente.

Duzentas e setenta e oito pessoas estavam no caminho da lama que desceu até o Rio Paraopeba. Apenas oito sobreviveram. Dos 270 mortos, 11 não foram encontrados até hoje. Em 24 horas após o acidente, 195 pessoas foram resgatadas da área diretamente afetada e do entorno.

O cenário dramático do pontilhão arrastado, com a lama mole e ainda alta cobrindo o que antes eram casas e árvores, foi a primeira imagem que vi da tragédia quando cheguei a Brumadinho, cinco dias depois do rompimento. Dali, talvez tivesse sido possível avistar, um dia antes, a Pousada Nova Estância. Não mais.

No céu azul e quente, sem vento, uma dezena de helicópteros voava de um lado a outro com sinistros sacos pretos pendurados. De repente, bombeiros acompanhados de cães naquele solo instável indicaram uma potencial vítima. Um helicóptero rapidamente desceu na tentativa de fazer um novo resgate, mas voltou a voar vazio.

Em meio a tanta devastação, me chamou a atenção que passarinhos de diferentes espécies ainda cantavam. Não teriam ainda se dado conta que seu hábitat acabara de ser destruído?

Foi esse icônico local que escolhi para fazer a primeira parada no meu retorno a Brumadinho. Desta vez, acompanhada do fotógrafo Tiago Queiroz, o plano era fazer um "antes e depois". O local estaria se recuperando? Os passarinhos teriam desaparecido?

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Antes e depois.A força do 'tsunami' de lama foi tão intensa que derrubou um pontilhão por onde passava uma estrada de ferro acima do Córrego Feijão, em Brumadinho Foto: Giovana Girardi/Estadão (31/1/2019) e Tiago Queiroz/Estadão (14/1/2020)

A realidade foi um pouco frustrante, ao não permitir obter muitas respostas. Coberta com tapumes, a margem está em sua maior parte inacessível para trabalhos de recuperação. O remanescente da estrada de ferro, de onde muitas fotos foram feitas no ano passado, foi interditado. Ali, assim como na maior parte das áreas atingidas pelo mar de lama em Brumadinho, virou um canteiro de obras.

Mas logo abaixo do pontilhão, parecia ser possível ter um vislumbre do local. Paramos o carro em uma estrada perpendicular e, atravessando o mato, chegamos à beira do vale. Tiago se embrenhou um pouco para fazer algumas fotos, enquanto eu tentava puxar da memória elementos para uma comparação.

Primeiro local escolhido para o retorno virou um grande canteiro de obras Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A lama certamente diminui. Foi retirada - um tanto deve ter secado. O barulho dos helicópteros foi substituído pelo de caminhões. São muitos, para cima e para baixo. Não consegui ouvir passarinhos, mas senti os insetos.

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