BRUMADINHO - No nosso último dia em Brumadinho, dos cinco que ficamos na cidade, fomos presenteados com breves poemas do Giovanni Frigo, o funcionário da pousada onde estávamos hospedados.
“Reportar
Recortar
Recordar
Acordar o que dorme
Recompor o que se esqueceu
Apontar novos caminhos
Trazer à tona
Os que se foram.”
“Não duvides
Não esmoreças
Possuis o dom
Da imaginária
Da transparência
Da palavra
Da imagem
Traga à tona a outra história
Tire a dúvida de quem ainda não vê.”
Com essas palavras escritas pra mim e para o Tiago, entregues junto com dois pedacinhos de minério de ferro, ele reforçou para nós uma das principais mensagens que escutamos ao longo da semana: é preciso não esquecer o que ocorreu em Brumadinho há quase um ano.
Naquele 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a barragem B1 de rejeitos de minério da Vale rompeu no Córrego do Feijão, matando 270 pessoas – 272 quando contados os dois bebês ainda dentro da barriga das mães. Onze corpos ainda estão sob a lama ou não foram identificados pelo IML.
O tsunami de lama levou embora boa parte da área de operação da própria empresa, sítios vizinhos, uma pousada, hortas, córregos, lagoas, máquinas, ônibus, caminhões, árvores. Afetou a comunidade do Córrego do Feijão, entrou no curso do ribeirão Ferro e Carvão, passou por cima de duas ruas do Parque da Cachoeira até desviar por cima da estrada Alberto Flores, que liga a área urbana à área rural e cair no Paraopeba, contaminando o rio.
Foram 10,5 milhões de metros cúbicos de rejeito, o que equivale a 4,2 mil piscinas olímpicas. Os bombeiros de Minas compararam que com a quantidade seria possível fazer quatro pirâmides de Queóps, a maior do Egito. A área tomada pela lama tem 10 km lineares e 32 km de perímetro de mancha.
A cidade em si, não foi atingida pelos rejeitos, apesar da ideia que circulou mundo afora de que Brumadinho inteira foi tomada pela lama. Mas foi afetada de inúmeras maneiras, que vamos explicar melhor na reportagem especial que será publicada na semana que vem.
Numa cidade que tinha, então, cerca de 38 mil habitantes, não tem ninguém que diga que não conhecia nenhuma vítima: eram parentes próximos ou distantes, ou eram amigos de infância, do trabalho, colegas de universidade, vizinhos, conhecidos da igreja, do comércio. Todos que morreram eram clientes de alguém.
Mesmo quem não tivesse nenhuma pessoa querida na tragédia, foi afetado pela cidade dividida ao meio com a estrada interditada, pelo som constante dos helicópteros, pela tristeza dos seus conhecidos.
O secretário de Saúde de Brumadinho, Junio Araújo Alves, conta que em um só dia ouviu por 26 vezes uma marcha que tocava nos enterros das vítimas. Seu gabinete fica nas Policlínicas, ao lado do cemitério mais tradicional da cidade, e dali podia escutar todas as cerimônias. “Várias vezes, ao ouvir o chamado de quem seria enterrado, eu saía e ia acompanhar. Era o pai de alguém daqui de dentro, o marido, o filho…”, me disse.
Os familiares, os mais próximos têm medo de que a tragédia seja esquecida. “Já passou um ano, Brumadinho ficou marcada pela tragédia, mas as pessoas de fora não sabem o que ainda vivemos aqui”, me disse a secretária de Desenvolvimento Social, Christiane Passos.
O medo maior é de que uma reparação mais ampla, que vai além de indenizações, não seja feita. Eles temem que não se preserve a memória das vítimas. Ainda esperam um pedido de desculpas da Vale.