Diferença social desaparece quando se compara tempo de deslocamento

?Ricos? e ?pobres? têm perdas iguais em seus trajetos pela Grande SP; prejuízo pode chegar a R$ 3,5 mi em 30 anos

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Por Renato Machado
Atualização:

Uns podem ter mais conforto e outros perderem mais horas de sono. Mas os congestionamentos e as grandes jornadas no transporte são problemas que não escolhem a classe social para atingir. Dados divulgados ontem da última pesquisa "Origem e Destino", coordenada pelo Metrô, com dados de 2007, revelam uma espécie de "justiça social" nas ruas e nos trilhos: "pobres" e "ricos" gastam praticamente o mesmo tempo nos trajetos na Região Metropolitana de São Paulo, usando os mesmos meios. A pesquisa levou em conta cinco faixas de renda familiar mensal, variando entre quem recebe até R$ 760 e os que ganham mais de R$ 5,7 mil. Considerando a média do tempo consumido em todos os modos - transporte coletivo, individual, a pé ou de bicicleta -, as pessoas com menor renda gastam 37 minutos nas viagens, enquanto as do outro extremo, 34. A maior média de tempo ficou entre as pessoas de família com renda entre R$ 760 e R$ 1.520 e entre R$ 1.520 e R$ 3.040, que gastam 41 minutos. Um dos motivos para essa igualdade foi o aumento - ainda maior - na duração das viagens em transporte coletivo por pessoas da faixa de renda familiar mais elevada. Em relação à edição anterior da OD, em 1997, esse grupo teve um acréscimo de quase dez minutos no tempo de viagem em ônibus e trens - passando de 50 para 59 - enquanto para a faixa com renda de até R$ 760 passou de 64 para 67. As faixas intermediárias de renda gastam entre 63 e 71 minutos. "E a tendência é igualar ainda mais", diz o diretor de planejamento de expansão do Metrô, Marcos Kassab. Ele acrescenta que houve um deslocamento de parcela da população para mais longe e a consequência disso é uma pressão sobre o transporte coletivo. "Muitas pessoas que foram morar em Alphaville, por exemplo, hoje enfrentam as mesmas dificuldades de saturação que moradores de alguns bairros da capital". As médias de tempo são ainda mais parecidas quando o meio de transporte é o individual - carros e motos. No extremo de renda inferior, as pessoas costumam gastar 29 minutos em suas viagens, somente dois a menos que o extremo oposto. Há também pouca variação nas outras três faixas de renda, em que o tempo gasto varia entre 31 e 32 minutos. Quando se trata de viagens feitas a pé, a duração varia entre 14 e 18 minutos, sendo que acontece uma queda na média dos tempos à medida que a renda aumenta. As classes mais baixas são as que mais gastam tempo se locomovendo com bicicletas - em média, 27 minutos - mas as pessoas de renda familiar superior a R$ 5,7 mil apresentaram média de 23. Exemplo dessa igualdade acontece no escritório de arquitetura Orbi, na Vila Madalena, zona oeste da capital. Por motivos diferentes, a arquiteta Patrícia Fernandes, de 27 anos, e a recepcionista Marjory Martins, de 22, utilizam o mesmo meio de transporte e levam aproximadamente o mesmo tempo para chegar ao trabalho, embora uma viva na zona sul da cidade e a outra na zona norte. Ambas optaram por usar o metrô. Patrícia até possui um carro, mas somente o usa para ir ao escritório em feriados e fins de semana. "Nos outros dias, eu perco muito tempo nos congestionamentos e só com estacionamento já gastaria mais do que gasto com passagem", diz ela, que mora ao lado da Estação Saúde. Todos os dias ela passa 40 minutos no metrô e depois mais 20 minutos para esperar e pegar um ônibus que a deixa na porta do trabalho. Moradora do Jardim São Paulo, na zona norte, Marjory teria a opção de ir de ônibus, mas ela conta que o tempo gasto é maior por causa do trânsito. Por isso ela caminha dez minutos até a estação do Metrô de seu bairro e também fica 40 minutos nos trens. Ao contrário da amiga, ela prefere caminhar na última parte do percurso e por isso economiza 10 minutos, o que deixa o tempo de viagem das duas exatamente igual. PREJUÍZO O tempo gasto nos percursos também custa dinheiro e bem-estar. De acordo com uma pesquisa ainda inédita do economista Marcos Fernandes, do Centro de Estudos de Processo da Decisão, da Fundação Getulio Vargas (FGV), os paulistanos com salários de R$ 5,7 mil vão perder nos próximos 30 anos R$ 3,5 milhões cada um. "Cada hora tem um valor econômico. Essa quantia total é o valor presente do dinheiro que as pessoas deixariam de ganhar." Para quem recebe R$ 760, o prejuízo é de R$ 1,5 milhão. O cálculo leva em conta que se perde quatro horas nos percursos - ida e volta - e que todo esse tempo seria usado para trabalho. Como a média etária dos paulistanos está atualmente em 35 anos, haveria outras três décadas de vida econômica útil, sendo que foram considerados 240 dias de trabalho por ano. Da mesma forma, é possível calcular o "custo de oportunidade do tempo livre". "Dá para medir quanto vale estar em um bar", diz Fernandes. A pesquisa considera que dois terços do tempo perdido poderiam ser usados para lazer ou satisfazer a vida afetiva. Assim, as pessoas com renda de R$ 5,7 mil teriam um prejuízo de R$ 2 milhões; quem ganha R$ 760, deixa de ganhar no aspecto pessoal R$ 800 mil.

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