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Discurso ufanista esconde gargalos da infraestrutura

Dinamismo do PAC anunciado pelo governo contrasta com resultados pífios; para especialistas, números são maquiados

Por Lu Aiko Otta
Atualização:

Com pompa, o governo anunciou no início de dezembro que chegará ao fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tendo executado 94,1% dos R$ 657,4 bilhões previstos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) entre 2007 e 2010. Parece um sucesso, mas o País ainda é o penúltimo, num grupo de 13 economias médias, no quesito infraestrutura e logística, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).Maquiagem dos números oficiais é o que explica essa discrepância entre o dinamismo anunciado pelo governo e o dia a dia dos cidadãos brasileiros. Segundo a organização não-governamental Contas Abertas, parte do dinheiro que o governo diz ter aplicado no PAC não saiu do Orçamento federal, e sim do bolso dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. Os empréstimos da casa própria foram somados ao que o governo diz ter desembolsado para o PAC. A informação foi retirada do balanço de quatro anos do programa, divulgado em 9 de dezembro.Do total de investimentos que o governo chama de "concluídos", 49% são financiamentos. "A sociedade ainda não tem uma visão clara do PAC. O programa envolve ações com diversas fontes de recursos. Mas, até o momento, o grande financiador do PAC é o cidadão, que está tomando os empréstimos habitacionais e vai pagá-los com juros", disse o coordenador do Contas Abertas, Gil Castello Branco.E não são nem as famílias de baixa renda, apontadas como prioridade pelo governo, as beneficiárias desses financiamentos. Elas devem responder por R$ 353 milhões, perto de 0,15% do total de R$ 230 bilhões a serem tomados até o fim do ano. Quem puxa o PAC é a classe média.O volume de empréstimos habitacionais vai superar os R$ 213,9 bilhões a serem aplicados entre 2007 e 2010 em logística (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos e marinha mercante) e em energia (gás e petróleo, geração e transmissão de energia, petroquímica e combustíveis alternativos). Focos iniciais do PAC, logística e energia continuam com os problemas gerenciais que dificultam sua execução desde o lançamento e que renderam ao programa a alcunha de "pactoide".Balanço. Levantamento do Contas Abertas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) até 25 de dezembro mostra que, dos R$ 96,3 bilhões previstos no orçamento dos últimos quatro anos, só R$ 25,3 bilhões foram pagos - 26,28% do total. O próprio balanço do PAC admite que 17,6% das obras, que somam R$ 115,6 bilhões, só serão concluídas depois de 2010.A lentidão da máquina pública faz com que a execução do PAC e demais investimentos do governo sejam empurrados de um ano para o outro. Ou seja, a etapa da obra começa, o dinheiro é comprometido, mas só é desembolsado no ano seguinte ou depois. Em 2010, foram gastos R$ 8,1 bilhões do orçamento do ano e outros R$ 12,2 bilhões de restos a pagar de anos anteriores.Até o Natal, o estoque de restos a pagar do PAC chegava a R$ 13,4 bilhões. Nos últimos dias do ano os burocratas aceleraram os empenhos - comprometimento de recursos que, se não forem pagos até 31 de dezembro, viram "restos a pagar". Técnicos estimam que, considerando toda a despesa do governo, o volume de restos a pagar chegará à casa dos R$ 85 bilhões.Por trás da lentidão do PAC, uma das questões principais é a falta de planejamento. Sem projetos de qualidade, os ministérios não conseguiram gastar seus orçamentos. Projetos mal elaborados e feitos às pressas acabaram parados no Tribunal de Contas da União ou com dificuldades para a obtenção do licenciamento ambiental. O resultado, diz o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Tarso Resende, foi o descompasso entre a expansão dos investimentos e a demanda por serviços de infraestrutura. "A demanda foi maior que o aumento da oferta. Toda evolução acabou engolida pelo avanço da economia." / COLABOROU RENÉE PEREIRA

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