Distribuidora de energia do Amapá atua sem contrato de concessão desde 2015

Estado teve dois apagões em menos de um mês; serviço ainda não foi completamente restabelecido

PUBLICIDADE

Foto do author Marlla Sabino
Por Marlla Sabino e Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - Os apagões que deixaram o Amapá no escuro, nas últimas semanas, revelaram a precariedade do sistema elétrico do Estado tanto em linhas de transmissão quanto de distribuição. Responsável pela linha que apresentou falhas na noite de terça-feira, 17, a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), concessionária que distribui energia na região, fornece o serviço sem contrato de concessão desde 2015. A empresa atende cerca de 208 mil unidades consumidoras.

Distribuição de água em Santana, no Amapá: falta de luz também afetou o fornecimento de água no Estado. Foto: Dida Sampaio/Estadão - 7/11/2020

PUBLICIDADE

Nesta quinta-feira, 19, a Justiça Federal determinou o afastamento provisório, por 30 dias, da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos diretores do Operador Nacional do Sistema (ONS), por causa do apagão que atingiu o Amapá. A decisão foi dada para evitar interferência na apuração das responsabilidades pelo blecaute. Para o juiz federal João Bosco Costa Soares da Silva, autor do despacho, houve “completa omissão” ou, no mínimo, negligência dos órgãos reguladores no sistema de energia do Amapá.

A CEA pertence ao governo do Estado e foi impedida de renovar o contrato por não cumprir requisitos mínimos de qualidade e de equilíbrio econômico-financeiro exigidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para qualquer concessionária de distribuição. Para garantir a continuidade do serviço, o governo publicou uma portaria em 2016 que designa a CEA como "responsável" pela distribuição de energia. Os problemas envolvendo a qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia no Amapá, no entanto, começaram muito antes. Em 2005, a Aneel fez a primeira notificação ao governo estadual sobre a empresa. Na época, o Estado mantinha um programa que isentava a conta de luz para parte dos consumidores, mas não ressarcia os gastos da empresa. Com o acúmulo de dívidas, a agência chegou a recomendar a extinção dos contratos de concessão da empresa em 2007. Apesar disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) não acatou a sugestão, o que contribuiu para perpetuar a má gestão da empresa por muitos anos. As seis distribuidoras da Eletrobras no Norte e no Nordeste passaram por situação semelhante à da CEA: ficaram em regime de designação, quando a estatal decidiu sair do negócio de distribuição, mas por dois anos. Todas elas foram privatizadas em 2018. A CEA é a única que continua sob regime precário até hoje. Em mais um esforço para resolver a situação da companhia, o governo federal estendeu até 30 de junho de 2021 o prazo para que o Amapá realize o leilão de privatização – o prazo anterior havia se encerrado em fevereiro de 2018. A nova data está prevista na Medida Provisória 998, que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso. O texto determina também que, após a licitação, o governo estadual terá que concluir a transferência de controle da empresa para o novo concessionário até o fim do próximo ano.

Leilão em 2021

Ao Estadão/Broadcast, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informou que a previsão é de que o leilão da CEA aconteça no segundo trimestre de 2021. A instituição afirmou, porém, ser necessário que os governos federal e estadual avaliem os estudos de privatização. Se esses documentos forem aprovados, serão submetidos a uma assembleia de acionistas da empresa, à audiência pública e ao crivo de órgãos de controle. As condições do contrato de concessão serão as mesmas oferecidas aos concessionários que disputaram as ex-distribuidoras da Eletrobras, em 2018. O advogado Henrique Reis, sócio da Reis Gomes Advogados, observouque a MP também traça um "plano B", caso o leilão fracasse. "Em caso de insucesso da licitação, a Aneel autorizará, preferencialmente por meio de um processo competitivo simplificado, a prestação de serviço de distribuição em caráter emergencial", afirmou. Na avaliação dele, a atratividade do leilão da companhia pode aumentar se o governo reduzir os riscos do negócio na elaboração do edital. O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nivalde de Castro, avalia que a tendência, nesses casos de privatização, é que o novo concessionário privado ofereça um serviço de melhor qualidade. "Eles têm uma motivação de eficiência, que gera ganhos e lucros. No caso dessas empresas, que são estatais há muito tempo, não tem esse tipo de motivação", disse.

Gatos e inadimplência

A CEA admite que a situação precária do contrato afeta o fornecimento de energia no Estado, mas atribui a má eficiência a outros problemas locais, como ligações clandestinas e desvio de energia. Segundo a empresa, em 2019, o porcentual de furtos – mais conhecidos como "gatos" – chegou a 32,5%. Outro fator que dificulta a gestão da companhia é a inadimplência, diz a empresa. "Das 208 mil unidades consumidoras cadastradas, 85% delas têm, pelo menos, uma fatura de energia em aberto. Atualmente, o montante de inadimplência está na faixa de R$ 200 milhões", informou a CEA, em nota enviada à reportagem.

Publicidade

Apagões e diferenças

O caos elétrico no Amapá começou no último dia 3, quando um blecaute deixou o Estado às escuras por quase quatro dias. Um incêndio destruiu um transformador e danificou um segundo, enquanto um terceiro estava em manutenção desde dezembro. Esse primeiro apagão ocorreu na subestação da concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia, que pertence à Gemini Energy, com 85,04%, e à Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), autarquia do governo federal, que detém 14,96%. A Gemini, por sua vez, é dos fundos de investimento Starboard (80%) e Perfin (20%). Um segundo apagão ocorreu no Amapá na última terça-feira, 17. As causas dessa ocorrência ainda estão sendo apuradas, mas, dessa vez, ela ocorreu na linha de distribuição da distribuidora Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), operada pelo governo do Estado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.